quarta-feira, setembro 09, 2009

Guiné-Bissau: Legados e desafios do novo Presidente

Origem do documento: www.panapress.com, 09 Set 2009
Por Fred Cawanda, Jornalista da PANA


Dakar, Senegal (PANA) - O politólogo Malam Bacai Sanhá, de 62 anos de idade, tomou posse terça-feira como novo Presidente da Guiné-Bissau fruto da sua vitória eleitoral de 26 de Julho na segunda volta de eleições presidenciais antecipadas.

Antigo presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP, Parlamento), de 1994 a 1999, e ex-Presidente da República interino (1999-2000), Sanhá disputou o sufrágio presidencial sob a bandeira do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC, no poder).

Venceu o escrutínio com 63,31 por cento dos votos contra os 36,69 do seu rival e candidato do Partido da Renovação Social (PRS), Koumba Yalá, que foi Presidente da Guiné-Bissau de Fevereiro de 2000 até ao seu derrube num golpe de Estado militar em 14 de Setembro de 2004.

Com a sua investidura, a Guiné-Bissau pôs teoricamente termo à nova transição política aberta pelo bárbaro assassinato do Presidente João Bernardo "Nino" Vieira, a 2 de Março deste ano, em Bissau.

Para trás ficam episódios de triste memória aliados ao pesado fardo da extrema pobreza que juntos projectam à frente do novo homem forte de Bissau um legado de múltiplos desafios próprios de tirar sono.

Sanhá abraçou assim o repto da espinhosa missão de civilizar o país, reconstituir o Estado e devolver dignidade à pacata nação guineense abalada por ciclos de barbárie e impunidade crónica que acabaram por coisificar a vida humana hoje transformada em mero objecto de disputas políticas e outras.

À espera do novo chefe de Estado está igualmente o bicudo dossiê do narcotráfico que, num ápice, se enraizou no país transformando-o numa das principais rotundas das redes deste negócio em África.

Por outro lado, a sua investidura ocorreu numa altura de crescente pressão sobre o país, interna e externamente, para se clarificar os sucessivos assassinatos políticos ocorridos no país mas cujos autores continuam à solta e impunes.

Entre estes assassinatos, quase todos eles praticados com uma elevadíssima dose de crueldade e sadismo, figuram os que vitimaram o Presidente Nino Vieira e o seu chefe das Forças Armadas, tenente- general Batista Tagme Na Waié, em Março passado, e os deputados do partido no poder Baciro Dabó e Hélder Proença, três meses depois.

As mortes dos dois primeiros continuam envoltas num mistério que muitos consideram porém "artificial" dada a fácil identificabilidade dos seus autores, ao passo que a tese golpista ensaiada pelos militares e afins para justificar o desaparecimento dos dois últimos também não terá, aparentemente, convencido a opinião pública.

Em anos anteriores, estiveram entre as vítimas da carnificina os dois antecessores imediatos de Tagmé Na Waié, designadamente o general Veríssimo Correia Seabra (2004) e o brigadeiro Ansumane Mané (2000) o que perfaz três chefes das Forças Armadas assassinados em nove anos.

Estes e outros actos que se seguiram extremaram os níveis de insegurança e suspeição no país inteiro que se tornou em refém do militarismo criando uma espécie de estado de sítio sem Estado.

As duas comissões de inquérito internamente criadas para investigar sobre as mortes de Nino Vieira e Tagmé Na Waié ainda não responderam às expectativas, quase seis meses depois.

Uma delas, a dos militares, não passou do mero anúncio do fim dos seus trabalhos e da promessa de apresentar publicamente os autores "confessos" do atentado à bomba que aniquilou Tagmé Na Waié no seu gabinete. A outra, a governamental, diz não ter "pernas" para andar.

A entidade nomeada para presidir a esta última, o procurador-geral da República Luís Manuel Cabral, queixa-se de falta de fundos para fazer avançar a investigação e da própria segurança pessoal que diz estar em perigo após receber várias ameaças de morte por telefone.

Mas contrariamente à opinião geral segundo qual as autoridades em Bissau andaram hesitantes para aceitar que a investigação fosse confiada a uma comissão internacional e independente, o Governo da Guiné-Bissau atribui as reticências à comunidade internacional.

O primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior diz que o seu Governo sempre esteve aberto a esta proposta e escreveu ao Secretário-Geral das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, solicitando a criação de tal comissão, mas que a resposta obtida denotava um certo recuo ou vacilação.

Segundo ele, nessa resposta "já não se fala da criação" de uma comissão de inquérito mas de a integrar com a assistência da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) e da União Africana (UA).

Mas a UA diz que, a seu nível, foram já tomadas medidas para garantir a assistência técnica ao inquérito internacional bem como a protecção dos inquiridores, estando a sua operacionalização a depender apenas das autoridades em Bissau.

A ideia deste inquérito internacional foi avançada, pela primeira vez, pela CEDEAO e pela CPLP logo após a morte de Nino Vieira. Mas, na altura, estas duas instituições fizeram constar que ela não tinha encontrado a devida receptividade das autoridades bissau-guineenses.

Fontes familiarizadas com o dossiê indicaram na altura que tal resistência teria sido influenciada pelos militares opostos à qualquer interferência externa que para eles representava uma ameaça à soberania nacional.

Foi com a mesma resistência que as autoridades em Bissau teriam reagido também à outra proposta da CEDEAO e da CPLP para o envio de uma força internacional encarregue de garantir a segurança no país sobretudo durante as últimas eleições presidenciais antecipadas.

Os proponentes da ideia argumentaram a sua proposta pelo permanente clima de instabilidade social, política e militar no país e prometeram participar no processo de reformas do sector de Defesa e Segurança com a mobilização de financiamentos para esta operação então avaliada em 187 milhões dólares americanos.

Porém, segundo as mesmas fontes, acabou por prevalecer a posição governamental que, em nome da soberania nacional, proclamava a desnecessidade da presença duma força estrangeira.

Tal como confirmado por Carlos Gomes Júnior numa entrevista ao diário angolano "Jornal de Angola", o seu Governo sempre privilegiou um apoio internacional consubstanciado na vertente formativa com o envio de instrutores e conselheiros para formar os militares guineenses.

"Nesta fase, pensamos, uma força de intervenção na Guiné não se justifica (...) somos um país soberano e entendemos que nós, os Guineenses, é que temos de resolver os nossos problemas", disse notando que a vinda duma força externa poderá ser "extremamente desmoralizante".

A reafirmação destas posições pelo chefe do Governo bissau-guineense acabou por alimentar novas interrogações numa altura em que pareciam haver sinais de um certo consenso entre o seu Executivo e a comunidade internacional para ultrapassar o impasse.

No termo de uma sessão especial sobre resolução de conflitos decorrida em Tripoli (Líbia), a 31 de Agosto passado, a UA anunciou preparativos para desdobrar "o mais rápido possível" uma missão internacional na Guiné-Bissau.

A UA disse tratar-se duma missão conjunta com a CEDEAO com o apoio das Nações Unidas, da União Europeia e de outros parceiros incumbida de ajudar na estabilização da Guiné-Bissau, na reforma do sector de segurança, na reconstrução pós-conflito e na luta contra a droga.



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