quinta-feira, março 12, 2009

Guiné relembra os riscos de investir em África

Origem do documento: "Jornal de Negócios", Lisboa, 12 Mar 2009


A existência de eleições em África não permitiu mudar pacificamente governantes instalados há décadas no poder, nem garantiu maior estabilidade aos países em transição pós-conflito. Esta uma das ideias do novo livro de Paul Collier, apresentado em Washington dois dias depois da morte de Nino Vieira, e uma semana antes da visita a Portugal de José Eduardo dos Santos.

No livro "Wars, Guns and Votes", o prestigiado professor de Oxford, Paul Collier, apresenta a sua frustração sobre os resultados da encenação democrática em África. Paul Collier salienta que a realização de eleições é à partida um facto positivo, mas defende que sendo as mesmas realizadas sem instituições que garantam um respeito pelas liberdades ("checks and balances"), acabam por pouco mudar.

Não alteram, em particular, a responsabilização dos dirigentes no poder face aos cidadãos, um fenómeno ("accountability") que é um dos maiores contributos das democracias. Os eleitos têm de prestar contas e responder perante os eleitores. Têm que governar para os eleitores, ou então não serão reeleitos.

Em África não é assim. Os chefes há muito no poder apenas decidem aceitar eleições quando sabem que vão ganhar e, de acordo com Collier, "rapidamente aprenderam a utilizar todos os mecanismos ao seu dispor para viciar eleições". Collier exemplifica: o controle da comunicação social, a compra de votos, o suborno dos líderes da oposição, a intimidação, o uso explicito da violência, o desincentivo à participação em zonas ou de etnias menos favoráveis, a introdução de urnas e votos falsos, e, em última instância a interrupção de processos eleitorais.

A falta de instituições que garantam processos justos fazem com que ganhar eleições dependa mais do controlo dos instrumentos de poder (armas e dinheiro), do que daquilo que se promete e dá aos eleitores. Processos que fazem com que a legitimação concedida pelas eleições seja fraca. Esta é outra desilusão que o professor de Oxford salienta. "Esperava-se que a legitimação pelo voto popular conferisse mais estabilidade e desincentivasse golpes de Estado ou outras formas de violência". Utilizar os votos em vez das armas devia conduzir a mais estabilidade e a mais "accountability". "Mas isso não aconteceu", conclui Collier. Porquê? Porque, justifica Collier, apenas se tentou transpor para estes países a encenação da democracia e não a base institucional em que tem de assentar um regime democrático.

A Guiné, onde se enterrou esta semana Nino Vieira, e Angola, enterrada debaixo de José Eduardo dos Santos, são dois exemplos de países onde a existência de eleições não conduziu a que quem está no poder se tenha preocupado mais com a generalidade dos cidadãos, nem criou uma legitimação do poder que garanta qualquer estabilidade.

O golpe de Estado que levou à morte de Nino Vieira na Guiné-Bissau foi, provavelmente, o 340º golpe de Estado tentado no continente africano desde o fim da Segunda Guerra Mundial (uma média de sete por país). Na Guiné-Bissau a última tentativa de golpe de Estado tinha sido há apenas três meses. É um país que tem alternado entre eleições e golpes, golpes e eleições, processos que ilustram bem a falta de legitimação que os votos concedem ao regime.

O resultado da instabilidade é uma esperança de vida de 46 anos e uma das mais altas taxas de mortalidade infantil do mundo. O mais estranho é que estes resultados não são muito diferentes dos verificados em Angola. Sendo um país muito mais rico, Angola apresenta uma esperança de vida ainda menor que a da Guiné e é o segundo país de África com maior mortalidade infantil.

O quadro abaixo publicado compara estes dois países com o resto de África. Os dados mostram que a estabilidade da usurpação do poder em Angola não produziu melhores resultados para o povo angolano que a instabilidade política guineense. E exemplificam este fenómeno. Angola é o segundo país com maior nível de desigualdade de África, um país onde 68% da população vive com menos de 40 euros por mês. Ou seja, quase 70% da população angolana vive com um rendimento parecido ao da Guiné, mas vive num país onde os preços são muito mais caros e onde a percentagem de crianças vacinadas ou de pessoas com acesso a água potável é mais baixa.

Os portugueses já saíram da Guiné há muitos anos, mas estão actualmente a ir em força para Angola. É, por isso, importante que sejam avisados dos riscos que aí correm. A estabilidade de Angola depende exclusivamente de José Eduardo dos Santos, que se aproxima dos 70 anos. O bom clima de crescimento dos últimos anos pode inverter-se. A baixa do preço do petróleo e as perdas nas aplicações financeiras vão necessariamente afectar o ritmo de crescimento da construção, serviços e consumo em 2009 e 2010.

Nessa altura, ninguém sabe o que poderá acontecer. Havendo paz sem crescimento poderá haver instabilidade. Se o bolo não estiver a crescer, poderá haver a tentação de olhar para as fatias dos outros. Os empresários e governo angolano já demonstraram apetite por se apoderar de empresas bem sucedidas - veja-se o caso da cimenteira Cimangol ou dos bancos de capital português que foram obrigados a vender parte do capital a "parceiros locais". Mais: o sistema judicial é considerado um dos piores de África. E a protecção diplomática portuguesa não tem dado sinais em casos anteriores de que poderá garantir algo. A quem vai para Angola neste momento só posso desejar boa sorte.



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