quarta-feira, julho 04, 2007

Guiné-Bissau à beira de ser vista como um narcoestado

Origem do documento: jornal "Diário de Notícias", Lisboa, 04 Jul 2007
por ARMANDO RAFAEL


A Guiné-Bissau está à beira de se transformar num narcoestado. Tudo por causa da cocaína colombiana que é canalizada para África por intermédio do Brasil, antes de ser enviada para a Europa, através de Portugal, Espanha e Holanda, como é descrito no último relatório do Gabinete da ONU para o Combate à Droga e à Criminalidade (UNDOC). Mas o que começa a preocupar a comunidade internacional é o nível de impunidade que os narcotraficantes já revelam em território guineense.

Exemplo disso foi um episódio ocorrido há uns meses, que levou à apreensão de quase 700 quilos de cocaína pela Polícia Judiciária da Guiné-Bissau e à detenção de dois colombianos - Juan Carlos Teran Figuera e Pedro Marin Vega - e de um militar guineense. Por sinal, um capitão: Rui Na Flak, membro do gabinete do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Tagma Na Waie.

Dias depois, foi ordenada a libertação dos colombianos e de Rui Na Flak, que desapareceram. Sem que se saiba - apesar das investigações que decorrem e das trocas de acusações entre o juiz Gabriel Djedjo e o procurador-geral da República, Fernando Jorge Ribeiro - o que aconteceu à cocaína apreendida, que a preços de mercado valeria quase 60 milhões de euros. O equivalente a um quinto do PIB da Guiné-Bissau, país onde as pessoas sobrevivem com pouco e os funcionários nem sempre são pagos. A começar por polícias e militares.

Com esta operação, que decorreu na região de Catió, no sul do país, ficaram expostas algumas ligações dos meios militares ao tráfico de droga. Além da utilização que os narcotraficantes dão a três pistas de aterragem, sabendo-se, à partida, que Bissau não dispõe de meios de intercepção, nem de radares ou sequer de comunicações que lhe permita seguir os movimentos de quem está a transformar o país numa placa de distribuição de droga entre a América Latina e a Europa.

Só que o nível de conivência das autoridades de Bissau é muito maior do que se suspeitava. Como o próprio chefe do Estado-Maior da Armada, Bubo Na Tchuto, reconheceu, em declarações à revista Time: "Há pessoas que estão no poder e que estão envolvidas. É triste, mas é a verdade".

O que Bubo Na Tchuto não diz é que o seu ramo também é suspeito de estar envolvido, controlando a pista de Bubaque, protegendo os traficantes ou recuperando as "paletes" de cocaína que são lançadas ao mar e posteriormente recuperadas pelas lanchas guineenses, que já terão sido igualmente usadas para operações de transbordo no alto-mar.

Factos e suspeitas que já foram denunciadas pela ONU, objecto de reportagens da Lusa e do Expresso, e que podem ser constatadas diariamente em Bissau, onde há pessoas "a enriquecer de um dia para o outro", como referiu uma fonte consultada pelo DN, sublinhando que nenhuma dessas pessoas "se coíbe de exibir os novos carros, as novas casas ou o dinheiro que trazem nos bolsos".

Uma acusação que abrange ainda membros do Governo e familiares do Presidente Nino Vieira.

Razão pela qual o ex-ministro dos Negócios Estrangeiras, João José da Silva Monteiro, confessava há dias à Lusa recear que a conivência das autoridades de Bissau com o narcotráfico pudesse degenerar num novo conflito militar, semelhante ao que ocorreu em 1998. E que foi desencadeado por via do contrabando de armas para os rebeldes de Casamança.

Só que as implicações destas conivências com o narcotráfico são agora substancialmente mais perigosas. Primeiro pelos montantes envolvidos. E depois pelas conexões que se estendem a outros países. Designadamente ao Senegal, à Guiné-Conacri, a Portugal e à Espanha, razão porque a comunidade internacional parece evidenciar algumas cautelas, tentando perceber quem é quem neste "negócio", agora que já terá detectado qual é o grau de protecção de que os narcotraficantes dispõem na Guiné-Bissau.|



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