sábado, novembro 11, 2006

Pára-quedistas querem resgatar mortos de 73

Origem do documento: Jornal de Notícias (Porto, Portugal), 11 Nov 2006
por João Bizarro

JJosé de Jesus Lourenço, soldado pára-quedista da Companhia de Caçadores 121, natural de Fornos, Cantanhede, foi morto em combate na Guiné, a 3 de Maio de 1973, aos 19 anos. Em plena zona operacional, na fronteira com o Senegal, o seu corpo foi enterrado em campo aberto, em Guidaje, envolto num lençol e num pano de tenda. Com ele foram sepultados à pressa outros sete militares e, contra a norma que obrigava o Estado a devolver os corpos às famílias e terras de origem, nunca mais ninguém resgatou os seus restos mortais. "Ninguém é deixado para trás!", a máxima dos pára-quedistas não foi também cumprida.

Mais de 33 anos depois, um antigo camarada de armas, Manuel Rebocho, sargento-mor, na reserva, e sociólogo de Évora, iniciou diligências para localizar com precisão o sítio de enterramento. Reuniu informações actualizadas que permitem dizer que os restos mortais são ainda recuperáveis e iniciou um movimento para que "dever da Pátria" possa ser cumprido. Com o apoio das famílias dos três pára-quedistas do grupo de oito militares portugueses, as quais nunca desistiram de dar sepultura final aos que foram abandonados.

Por iniciativa do quinzenário AuriNegra, de Cantanhede, que contou a história, está agora em marcha uma campanha de sensibilização aos poderes públicos no sentido de assumirem as suas responsabilidades e de angariação de fundos para financiar uma operação de resgate já agendada para o início de 2007.

Abandono

A operações no terreno, com recurso a especialistas forenses e uma logística que implica autorizações e colaboração das autoridades guineenses, estão a ser definidos por um grupo que integra Manuel Rebocho e o major-general pára-quedista Cristóvão Avelar Sousa, anterior responsável pelo Comando das Tropas Aerotransportadas (CTAT), actualmente na reserva.

Ao deparar-se com a crua realidade e considerando "inconcebível o abandono dos corpos destes jovens que morreram no cumprimento de obrigações que a Pátria lhes impôs", Manuel Rebocho prometeu às famílias que lhes seria feito um "funeral digno".

Sem resposta

Nos contactos que, desde há um ano, tem estabelecido com as autoridades políticas e militares, apelando a que os restos mortais dos seus camaradas fossem resgatados, as respostas têm demonstrado apenas sensibilidade. "Embora não se tenham recusado a trazer os corpos, nas respostas que obtive disseram sempre não ter meios financeiros para o fazer", relata Manuel Rebocho.

Até 1968, era norma os corpos dos militares portugueses que morriam no ultramar serem enterrados em cemitérios próprios nas "províncias" em que tombavam, à excepção das situações em que as respectivas famílias tivessem meios para custear o transporte dos corpos para Portugal. A partir dessa data, o Estado passou a responsabilizar-se pela translação dos cadáveres. O que é certo é que há 33 anos, na localidade de Fornos, Cadima, Cantanhede, os pais de José Lourenço continuam a alimentar a esperança de poder dar ao seu ente querido um funeral condigno. O soldado pára-quedista tornou-se o símbolo da campanha "Até ao meu regresso" que tem mobilizado sobretudo centenas de ex-combatentes pelo país inteiro.

"Já é altura de se fazer alguma coisa", afirmou o major-general Avelar Sousa.



"Agarra-te a uma metralhadora"
por Licínio dos Santos
Associação Veteranos de Guerra

"Vi morrer o meu amigo e conterrâneo Lourenço. Porque quem abria as colunas a pé eram os que estavam armados de G3, tinha aconselhado várias vezes o meu amigo, desde que três meses antes tinhamos chegado à Guiné, a deixar aquela arma e procurar uma metralhadora como a minha, capaz de disparar mais munições. Na emboscada, o Lourenço era o primeiro da fila. Morreu. Carregámos os mortos para o destacamento de Guidaje, onde, por causa de um cerco militar instalado e de ataques contínuos que impediam circulação para o interior da Guiné, foi determinado que os mortos fossem enterrados, impossível que era, cerca de uma semana depois do óbito, mantê-los sem conservação ou sepultura. Ajudei-o a enterrar e nunca mais fui o mesmo. Não posso estar mais solidário com o movimento que se pôs em marcha para resgatar os restos mortais do Lourenço e de outros camaradas que ficaram em Guidaje. Continua a ser muito importante que seja feito o reconhecimento público do sacrifício do soldado que partiu, dos Fornos, Cadima, e nunca mais regressou. Quando havia um pão, era meio-pão para cada um de nós os dois. Quando havia um cantil de água, era meio cantil para cada um. Fui da mesma incorporação nos pára-quedistas, da mesma companhia, da mesma recruta, do mesmo curso, da mesma mobilização para a Guiné, em Fevereiro de 1973".



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