domingo, novembro 05, 2006

Os riscos da fadiga dos doadores e a instabilidade de Kumba Ialá

Origem do documento: www.noticiaslusofonas.com, 05 Nov 2006

A instabilidade política criada com o regresso de Kumba Ialá à Guiné-Bissau está a ensombrar a mesa redonda de doadores, com a comunidade internacional a mostrar-se apreensiva e a advertir que a reunião constitui a última oportunidade para o país.

Por José Sousa Dias
da Agência Lusa

A fadiga dos doadores, que se reúnem terça e quarta-feira em Genebra, é consubstanciada nos sucessivos problemas políticos e militares que a Guiné-Bissau tem vindo a conhecer desde 1999, factos que têm levado ao adiamento sucessivo dos encontros, já previstos para 2004 e 2005.

Kumba Ialá, que regressou há cerca de uma semana à Guiné-Bissau, após um ano em Marrocos, afirmou publicamente que o governo de Aristides Gomes não tem legitimidade institucional nem capacidade para negociar quaisquer acordos, aludindo à reunião de Genebra, a "bolsa de oxigénio" de fundos que o país persegue desde 1999.

Naquela cidade suíça, a Guiné-Bissau vai apresentar dois documentos estratégicos: um ligado ao desenvolvimento; e outro às forças de defesa e segurança, em que o total de fundos pedidos ascende a 527,5 milhões de dólares (422 milhões de euros).

O ministro da Economia guineense, Issufo Sanhá, clarificou os montantes a solicitar naquela cidade suíça, explicando que a Guiné-Bissau já conseguiu financiamentos de 85,5 milhões de dólares (70 milhões de euros) para o primeiro pacote e 12 milhões (9,6 milhões) para o segundo.

No total, disse, o financiamento previsto nos dois projectos - os documentos estratégicos nacionais para a Redução da Pobreza (DENARP) e para a Reforma do Sector da Defesa e Segurança (DENRSDS) - ascende a 629 milhões de dólares (5 03,2 milhões de euros).

Se os projectos de desenvolvimento são, para o governo, imprescindíveis para garantir as reformas económicas e a estabilidade governativa no país, já o regresso de Kumba Ialá permitiu que o ex-presidente deposto no golpe de Estado de 14 de Setembro de 2003, ferisse a frágil estabilidade política que o país conheceu no último ano.

"O governo e o Fórum (de Convergência para o Desenvolvimento, FCD, base de sustentação do executivo) são ilegais", disse Kumba Ialá, ex-presidente do Partido da Renovação Social (PRS), de que é co-fundador e candidato à liderança no III Congresso da segunda maior força política, marcado para o dia posterior ao fim da mesa redonda.

Numa alusão à mesa redonda, Kumba Ialá adiantou que o governo "não tem legitimidade para negociar acordos", mas omitiu, porém, o facto de o PRS manter no executivo cinco ministros e quatro secretários de Estado, negando ainda tivesse alguma relação com o Fórum, de que foi o primeiro signatário e presidente de honra.

As declarações de Kumba Ialá têm subjacentes uma "clara estratégia política", referem vários membros do governo. Estes, porém, tentam a todo o custo desdramatizá-las, alegando que o país vive numa democracia, "onde existe o direito à opinião dos cidadãos", tal como referiu o porta-voz do executivo, Rui Diã de Sousa.

Admitindo que se podem considerar as declarações de Kumba Ialá uma "chantagem política", os governantes guineenses defendem-se com a ideia de que o que vai ser negociado em Genebra terá sempre uma vertente de comprometimento do Estado, mesmo que o executivo venha a mudar nos próximos meses, ou até nas próximas semanas.

Uma das inúmeras variáveis a equacionar passa pelo facto de o Fórum poder desfazer-se, uma vez que se os "dissidentes" do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) o abandonam, o executivo deixa de ter base de apoio e terá, legalmente, de cair, um luxo a que a Guiné-Bissau não se pode dar nesta altura.

Sobre tudo isto, o silêncio impera e os argumentos que se ouvem das duas partes - PAIGC e "dissidentes", entre eles o próprio primeiro-ministro Aristides Gomes - são vagos e confusos, deixando implicitamente no ar que o que mais interessa é a mesa redonda de Genebra e que, depois, mais tarde, se pensará no resto.

A última vez que a Guiné-Bissau foi alvo de uma mesa redonda de doadores aconteceu a 4 de Maio de 1999, três dias antes do fim dos 11 meses de conflito militar, em que o então governo de unidade nacional, de Francisco Fadul, conse guiu apoios de 200 milhões de dólares, embora o dinheiro nunca tenha sido disponibilizado.

Em Outubro de 2004, no governo de Carlos Gomes Júnior, tudo parecia enc aminhado para a concretização da mesa redonda, mas a sublevação militar de 6 desse mês, que levou à morte do então chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), general Veríssimo Correia Seabra, acabou por inviabilizá-la.

Em 2005, também já com a reunião prevista igualmente para Novembro, "Nino" Vieira exonera o executivo de Carlos Gomes Júnior e o encontro é, mais uma vez, adiado, deixando a comunidade internacional "irritada", nas palavras de João Bernardo Honwana, ex-representante especial do secretário-geral da ONU na Guiné -Bissau.

A comunidade internacional já afirmou publicamente que "está cansada" dos sucessivos problemas guineenses, lembrando que a fadiga dos doadores é um sério risco e que, se, por qualquer motivo, ocorrerem novas derrapagens, o país ficará entregue a si próprio.



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