domingo, outubro 01, 2006
Emigração «é para ricos», dizem jovens de Guiné-Bissau
Origem do documento: www.noticiaslusofonas.com, 30 Set 2006
Os jovens de Varela, no extremo noroeste de Guiné-Bissau, não querem ouvir falar da emigração clandestina para a Europa e, embora saibam que muitos africanos tentam dessa forma a sua sorte, afirmam que "isso é para os ricos".
Por José Sousa Dias
da Agência Lusa
"Nós aqui não temos nem dinheiro para comer, como poderíamos ter dinheiro para uma aventura dessas? Isso é tudo falso", afirma à Agência Lusa o jovem Omar Sambu, carpinteiro, pescador, comerciante e eletricista, mas desempregado.
Extremamente pobres, falando entre eles em francês, uolof (idioma senegalês), flupe (ou njola, dialeto local) ou ainda em dialetos guineenses - poucos são os que falam português -, os moradores nem sorriem quando perguntados se Varela se tornou num dos pontos de partida para as novas rotas da imigração clandestina.
"Não há dinheiro para nada. Não há dinheiro a circular em Varela. Não há comércio. Os hotéis estão todos fechados e em ruínas. Só comemos o que os pescadores nos trazem, que trocam pelo arroz que os agricultores cultivam", lamenta-se à Lusa Landim Sadjo, o presidente do Comitê de Estado de Varela.
Varela é hoje uma povoação triste, desoladora e isolada, com cerca de 50 pescadores que ainda confiam no mar generoso e, sobretudo, em Deus.
"Dieu est avec nous (Deus está conosco)" é o nome de uma das mais de duas dezenas de pequenas embarcações (foto), cavadas em espessos troncos de árvore, em que diariamente os pescadores vão ao mar para garantir o alimento de subsistência, que se juntará, mais tarde, aos recolhidos da terra.
No cargo desde a independência formal de Guiné-Bissau, em 1974, Sadjo diz que as razões da miséria são sempre as mesmas: conflitos militares, irresponsabilidade do poder central de Bissau e a infelicidade que é residir fora da capital guineense, que não tem um único médico nem um enfermeiro, sendo que o mais próximo está em São Domingos, 55 quilômetros para o leste.
Varella é acessível apenas pela estrada que parte de São Domingos, no entanto, percorre-la atualmente seria um verdadeiro inferno, pois a passagem está inundada com as águas das chuvas.
Para agravar ainda mais a situação, a ponte de madeira que liga o trecho de cerca de 20 quilômetros entre Varela e a cidade de Susana foi destruída após um acidente com um caminhão carregado de arroz para a população local, deixando a estrada inutilizada "até que alguém se lembre" de repará-la.
"Já avisamos as autoridades de São Domingos, que disseram que iriam avisar Bissau. Mas até hoje não se obteve resposta. Vai assim ficar até alguém se lembrar", lamenta Landim Sadjo, recordando que a situação já era difícil com as minas terrestres colocadas em abril pelos rebeldes de um movimento separatista senegalês.
Segundo Sadjo, durante dois meses não foi possível circular naquela via, uma vez que haviam minas terrestres e só depois da explosão de uma delas, que atingiu 14 dos 30 civis que seguiam na "candonga" (viatura de transporte de passageiros), é que as minas começaram a ser retiradas.
Há cerca de três meses e meio um baro chegou à Praia de Varela. "Eram clandestinos, sem dúvida. Eram mais de 40 e vinham numa canoa à deriva que deu à costa. A canoa foi reparada e seguiram depois viagem, apesar dos esforços do chefe Feliciano em tentar convencê-los da loucura", afirma Omar, filho de uma das duas policiais que trabalham com o "herói" de Varela, o policial "chefe" Feliciano.
As versões sobre o que é chamado "incidente" em Varela são contraditórias e Sadjo garante que não havia guineenses a bordo. "Ouvimos aqui a rádio senegalesa, que dá grande destaque aos clandestinos. Sei tudo o que se passa em Varela e posso garantir que nada se passa aqui de estranho", afirma o presidente do Comitê de Estado de Varela, que "acha" que tem cerca de 75 anos.
Pap Coli (foto), pescador senegalês de Diène (Casamança, sul do Senegal), vive na praia de Varela há mais de uma década e se recusa a falar sobre embarcações clandestinas. Ele alega não saber de nada do incidente e afirma não entender "como é possível aventurarem-se em pequenas embarcações para a Europa".
O pescador, que diz conhecer bem a costa desta região do Atlântico, afirma que os ventos e as correntes marítimas obrigam a um grande esforço de navegabilidade, pois, nesta época do ano, seguem em direção ao continente americano e não à "tal Europa".
Todos os entrevistados pela Lusa, sobretudo entre a comunidade dos pescadores da Praia de Varela, são bem informados sobre a localização exata das ilhas espanholas das Canárias, embora recusem pronunciar a palavra.
Varela, a pouco mais de quatro quilômetros da fronteira com o Senegal, congrega 14 povoações, tem cerca de cinco mil habitantes, 500 a mais do que há 10 anos. O posto da polícia desabou e o comando é agora na casa de um dos três policiais da povoação, no quarto de seu filho.
Os jovens de Varela, no extremo noroeste de Guiné-Bissau, não querem ouvir falar da emigração clandestina para a Europa e, embora saibam que muitos africanos tentam dessa forma a sua sorte, afirmam que "isso é para os ricos".
Por José Sousa Dias
da Agência Lusa
"Nós aqui não temos nem dinheiro para comer, como poderíamos ter dinheiro para uma aventura dessas? Isso é tudo falso", afirma à Agência Lusa o jovem Omar Sambu, carpinteiro, pescador, comerciante e eletricista, mas desempregado.
Extremamente pobres, falando entre eles em francês, uolof (idioma senegalês), flupe (ou njola, dialeto local) ou ainda em dialetos guineenses - poucos são os que falam português -, os moradores nem sorriem quando perguntados se Varela se tornou num dos pontos de partida para as novas rotas da imigração clandestina.
"Não há dinheiro para nada. Não há dinheiro a circular em Varela. Não há comércio. Os hotéis estão todos fechados e em ruínas. Só comemos o que os pescadores nos trazem, que trocam pelo arroz que os agricultores cultivam", lamenta-se à Lusa Landim Sadjo, o presidente do Comitê de Estado de Varela.
Varela é hoje uma povoação triste, desoladora e isolada, com cerca de 50 pescadores que ainda confiam no mar generoso e, sobretudo, em Deus.
"Dieu est avec nous (Deus está conosco)" é o nome de uma das mais de duas dezenas de pequenas embarcações (foto), cavadas em espessos troncos de árvore, em que diariamente os pescadores vão ao mar para garantir o alimento de subsistência, que se juntará, mais tarde, aos recolhidos da terra.
No cargo desde a independência formal de Guiné-Bissau, em 1974, Sadjo diz que as razões da miséria são sempre as mesmas: conflitos militares, irresponsabilidade do poder central de Bissau e a infelicidade que é residir fora da capital guineense, que não tem um único médico nem um enfermeiro, sendo que o mais próximo está em São Domingos, 55 quilômetros para o leste.
Varella é acessível apenas pela estrada que parte de São Domingos, no entanto, percorre-la atualmente seria um verdadeiro inferno, pois a passagem está inundada com as águas das chuvas.
Para agravar ainda mais a situação, a ponte de madeira que liga o trecho de cerca de 20 quilômetros entre Varela e a cidade de Susana foi destruída após um acidente com um caminhão carregado de arroz para a população local, deixando a estrada inutilizada "até que alguém se lembre" de repará-la.
"Já avisamos as autoridades de São Domingos, que disseram que iriam avisar Bissau. Mas até hoje não se obteve resposta. Vai assim ficar até alguém se lembrar", lamenta Landim Sadjo, recordando que a situação já era difícil com as minas terrestres colocadas em abril pelos rebeldes de um movimento separatista senegalês.
Segundo Sadjo, durante dois meses não foi possível circular naquela via, uma vez que haviam minas terrestres e só depois da explosão de uma delas, que atingiu 14 dos 30 civis que seguiam na "candonga" (viatura de transporte de passageiros), é que as minas começaram a ser retiradas.
Há cerca de três meses e meio um baro chegou à Praia de Varela. "Eram clandestinos, sem dúvida. Eram mais de 40 e vinham numa canoa à deriva que deu à costa. A canoa foi reparada e seguiram depois viagem, apesar dos esforços do chefe Feliciano em tentar convencê-los da loucura", afirma Omar, filho de uma das duas policiais que trabalham com o "herói" de Varela, o policial "chefe" Feliciano.
As versões sobre o que é chamado "incidente" em Varela são contraditórias e Sadjo garante que não havia guineenses a bordo. "Ouvimos aqui a rádio senegalesa, que dá grande destaque aos clandestinos. Sei tudo o que se passa em Varela e posso garantir que nada se passa aqui de estranho", afirma o presidente do Comitê de Estado de Varela, que "acha" que tem cerca de 75 anos.
Pap Coli (foto), pescador senegalês de Diène (Casamança, sul do Senegal), vive na praia de Varela há mais de uma década e se recusa a falar sobre embarcações clandestinas. Ele alega não saber de nada do incidente e afirma não entender "como é possível aventurarem-se em pequenas embarcações para a Europa".
O pescador, que diz conhecer bem a costa desta região do Atlântico, afirma que os ventos e as correntes marítimas obrigam a um grande esforço de navegabilidade, pois, nesta época do ano, seguem em direção ao continente americano e não à "tal Europa".
Todos os entrevistados pela Lusa, sobretudo entre a comunidade dos pescadores da Praia de Varela, são bem informados sobre a localização exata das ilhas espanholas das Canárias, embora recusem pronunciar a palavra.
Varela, a pouco mais de quatro quilômetros da fronteira com o Senegal, congrega 14 povoações, tem cerca de cinco mil habitantes, 500 a mais do que há 10 anos. O posto da polícia desabou e o comando é agora na casa de um dos três policiais da povoação, no quarto de seu filho.