sábado, novembro 19, 2005

Críticas a Nino marcam primeiro dia do Congresso do PAIGC

Origem do documento: www.noticiaslusofonas.com, 19 Nov 2005
Por José Sousa Dias

Na intervenção de fundo, de mais de hora e meia, o líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Carlos Gomes Júnior, demitido do cargo de primeiro-ministro a 28 de Outubro, introduziu a questão que considera "mais premente" para o futuro da antiga força política no poder.

Facto não consensual entre os mais de 1.100 delegados presentes, a questão está a dividi-los, uma vez que alguns consideram ainda ser possível fazer regressar ao "partido-mãe" alguns dirigentes que o abandonaram em nome dos, alegam, interesses pessoais.

Mas no seu discurso, com 104 pontos divididos pelas cerca de duas dezenas de páginas, Carlos Gomes Júnior foi claro no pedido aos militantes, mas também admitiu que o partido "não está bem", devido à ruptura de mais de quatro dezenas de dirigentes, alguns de topo.

Em causa está o "afastamento" do PAIGC de nomes sonantes do aparelho do antigo partido único, facto gerado pelo regresso, este ano, de João Bernardo "Nino" Vieira à Guiné-Bissau, onde, após um exílio de seis anos em Portugal, concorreu, como independente, e venceu as presidenciais de Junho e Julho.

Com o regresso de "Nino" Vieira regressaram também as velhas figuras do passado, já afastadas, na sua grande maioria, dos palcos políticos, que, por arrasto, trouxeram dirigentes da actual direcção para o "outro lado", precisamente o do actual chefe de Estado.

O apoio público expresso a "Nino" Vieira por esses militantes, com particular destaque para o actual primeiro-ministro Aristides Gomes, 1º vice-presidente do partido, e Cipriano Cassamá, líder parlamentar, levou o Comité Central do PAIGC a suspendê-los, em Abril último, por um ano.

Algo enfraquecido, o PAIGC, vencedor das eleições legislativas de Março de 2004, sofreu o golpe de misericórdia quando, a 28 de Outubro, "Nino" Vieira, empossado precisamente 28 dias antes, demitiu o governo e nomeou Aristides Gomes primeiro-ministro.

Dividido em diversas alas, o PAIGC convocou, de imediato, um Congresso Extraordinário, o quinto da sua história, para repor a ordem, consubstanciada no lema "Reafirmação e Estabilidade".

E foi isso mesmo que Carlos Gomes pediu sexta-feira aos delegados presentes em Morés, localidade histórica da luta armada de libertação do jugo colonial português (1963/74), centro das operações e de comando da então chamada "Frente Norte", e hoje sob um forte dispositivo de segurança.

"As divisões e contradições internas tiveram influências negativas (... ). A presente crise teve origem no IV Congresso extraordinário, com demonstrações claras de infidelidade aos princípios do partido, que levaram a desobediências, a deserções e à instabilidade", sublinhou.

Nesse sentido, Carlos Gomes Júnior foi claro, insistindo na necessidade de os militantes permanecerem fiéis aos princípios de Amílcar Cabral, para que se crie uma "nova cultura política" e se "combatam os estrangulamentos existentes".

Por isso, sugeriu a expulsão de todos os dirigentes e militantes que foram suspensos na reunião de Abril último do Comité Central, situação não prevista nos estatutos do partido e que leva a que, nas palavras de Carlos Gomes Júnior , se "proporcione um contexto de sucessivas deserções e traições".

Palavras que, antes da sua intervenção, haviam sido proferidas de forma mais dura pelo presidente da Comissão Preparatória do Congresso, o "histórico" Manuel Saturnino Costa, primeiro-ministro de "Nino" Vieira após as primeiras eleições gerais pluralistas de 1994.

"Temos de combater a ilegalidade e retirar o poder das mãos dos abutres ", numa alusão a "Nino" Vieira e aos seus apoiantes, entre eles, as mais de quatro dezenas de dirigentes e militantes do partido na situação de "suspensos".

Mas as críticas a "Nino" Vieira foram reforçadas por Carlos Gomes Júnior, que reiterou a "ilegalidade" da decisão do actual chefe de Estado (que já presidiu quer a Guiné-Bissau quer o próprio PAIGC entre 1980 e 1999), considerando que a exoneração abriu portas "a uma das mais graves e sensíveis crises políticas do país".

O líder do PAIGC foi, aliás, ainda mais longe, e denunciou o "lobby" militar pró-"Nino" Vieira, que começou a crescer, primeiro, com base nas "ostensivas aproximações e promiscuidades" entre militares e políticos e, depois, "com ma is gravidade e preocupação", entre o presidente eleito e a classe castrense.

Classe que foi também alvo de duras críticas de Carlos Gomes Júnior, que acusou a cúpula das Forças Armadas de "nunca ter respeitado" o seu governo (Maio de 2004 a Outubro deste ano) e que "nunca se conformaram em submeter-se ao po der político".

"As Forças Armadas guineenses, mormente algumas chefias militares, nunca se conformaram em submeter-se ao poder político legalmente instituído, e nunca tiveram perante o governo uma postura republicana", apesar das sucessivas afirm ações de "submissão", frisou.

O conclave do PAIGC termina domingo, mas permanece a dúvida quanto a um a eventual aprovação das alterações estatutárias pedidas pelo líder do partido, que quer também definir, no congresso, a estratégia a adoptar na próxima sessão parlamentar, cujo início está previsto para a próxima segunda-feira.

O único convidado estrangeiro presente no congresso do PAIGC foi o representante permanente da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CE DEAO), coronel Ahmed Sidibé, que, contudo, acabaria por abandonar Morés pouco depois do início do discurso de Carlos Gomes Júnior.



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