terça-feira, agosto 02, 2005

O manifesto antiesclavagista dos Capuchinhos espanhóis de Bissau em 1686

Informação e relação que Fr. Francisco de la Mota, vice-prefeito da missão dos religiosos capuchinhos das costas da Guiné, e seus companheiros fazem a S. Majestade que Deus guarde, o Senhor Rei de Portugal, do modo como os negros das ditas costas e rios se compram e são reduzidos ao cativeiro (I)

in "As viagens do bispo D. Frei Vitoriano Portuense à Guiné"
por Avelino Teixeira da Mota
Biblioteca da Expansão Portuguesa
Publicações Alfa, S.A., Lisboa, 1989


Digo eu, Fr. Francisco de la Mota, pregador capuchinho e vice-prefeito da missão da Serra Leoa, Cacheu e costas da Guiné, por nomeação do M. R. P. Fr. António de Trujillo, prefeito da dita missão pela S. Congregação da Fide Propaganda e por nomeação de S. Majestade, que Deus guarde, o Senhor Rei de Portugal, que havendo examinado com todo o cuidado e diligência o modo que comummente se tem em reduzir a cativeiro os escravos que se vendem nestas costas, desde o rio Gâmbia, em Cabo Verde, até ao cabo e rio da Serra Leoa e Magrabomba, por espaço de cerca de oito anos que há que aportámos a elas para a conversão dos gentios e reformação dos cristãos em que nos temos exercitado, informando-nos, tanto pelos mesmos mercadores como pelos cristãos crioulos desta terra, que são os que mais entram a comprá-los e servem de intérpretes, tanto pelos próprios escravos que com sinceridade contam os seus cativeiros, não para defender a sua liberdade, que não pensam ser injusta (por ser coisa tão comum a injustiça), o seu cativeiro - achamos, pelas ditas informações e por larga experiência, que o dito contrato e compras de negros é ilícito, pecaminoso e injusto, segundo se exercita em todas as ditas partes. Porque a maior parte, e até quase todos, são injusta e tiranicamente reduzidos a cativeiro, como constará da informação e relação que farei adiante; e nenhum exame se faz, nem se pode fazer, da justiça dos ditos cativeiros quando os compram, embora conste que são muito raros os que com justo título se cativam. Pelo que não achamos direito, nem título, nem razão nenhuma, que possa desculpar o dito contrato de injusto e claramente ilícito, antes muitas que obrigam a proibi-lo e a restituir a liberdade a todos os escravos que nestas partes foram comprados, excepto algum (caso bem raro) de que se possa adquirir certeza moral de que foi com justo título reduzido a cativeiro.

Mas porque em negócio tão grave, principalmente havendo-se permitido o dito comércio por tantos anos por reis tão piedosos e católicos como os de Portugal e por tão zelosos prelados como os senhores bispos de Cabo Verde, podemos e devemos piedosamente presumir que houve para isso alguns títulos e razões que nós não podemos alcançar. Mesmo parecendo-nos claro ser injusto o dito contrato, não queremos dar, nem que valha absolutamente nada, a nossa sentença, mas que a matéria se proponha e consultem os SS. do Conselho da Mesa da Consciência e outros doutores que terão mais notícias do direito com que o dito contrato se cumpriu até agora, e se leia, para que daqui por diante se possa licitamente exercitar. Para isso, e porque não sendo verídicos os princípios e fundamentos (havendo-se de conformar com eles a resolução), não poderá assegurar-nos a consciência, ainda que seja a favor do dito contrato - fazemos a presente informação e relação verídica, quando em consciência e segundo Deus, moralmente pudemos alcançar do feito do dito comércio, assinado com os nossos nomes, e isto como coisa publicamente sabida e conhecida e pelos mesmos mercadores ingenuamente confessada, principalmente antes que o começássemos a impugnar, que agora já procuram encobri-lo e ocultar-nos o que podem, se bem que não podem achar roupa bastante para cobrir coisa tão descoberta nem verdade de tal tamanho. E, mesmo que todos o conheçam assim, não sabemos, ainda que o solicitemos, se haverá alguns que, despindo-se do interesse humano (a fim de assegurar as suas consciências), quererão assinar este papel para que a confissão dos próprios interessados lhes dê mais força e autoridade. Mas se os interessados o não fizerem, nós diremos chã e desinteressadamente a verdade.

Relação do feito dos cativeiros da Costa da Guiné

Começamos pelo cabo da Serra Leoa, onde primeiro aportámos, em cuja comarca estão na parte do sul do dito cabo o rio Magrabomba (II), habitado por sapes manes. No mesmo cabo está o rio do mesmo nome, chamado cabo da Serra Leoa (III), habitado por sapes bagas, bolumos e logos. Mais acima da costa norte está o rio de Cáceres, habitado também por bagas e volumos (IV), onde vão os navios de Cacheu ao trato da cola. Mais ao norte, o rio Samos, o de Tafalis e Ponga (V), todos habitados por bagas, sosos e outros povos. Em todos estes rios assistiram religiosos da nossa missão. E neles compram-se muitos negros e marfim e tudo vai parar aos ingleses que estão no rio da Serra Leoa. O modo de cativar os negros é comummente em três maneiras em todos os ditos rios:

1 - A primeira, que é a que tem mais aparência de justiça, é quando os cativam por algum delito que eles chamam «chai». Esta palavra é crioula e comum em toda a costa e parece-me, segundo o uso que vejo fazer aos crioulos na sua língua, na portuguesa a dita palavra deriva de «achaque». E dizendo eles «tem chai» para fazê-lo escravo, é o mesmo que dizer, falando comummente, que lhe achacam algum delito (ou por leve, ou por aparente) ou que buscam algum achaque ou armadilha para que a tirania e injustiça com que o cativam não seja tão às claras. Posta esta digressão para maior inteligência do que se segue e se passa em toda esta costa, são poucos os que por este motivo castigam em relação aos que castigam com tirania evidente. E o modo de averiguar os tais «chais» conforma-se com o nome assim explicado, por ser por meio de embustes e superstições e por ódio. Comummente, é desta maneira: se alguma onça mata alguma pessoa, dizem que algum feiticeiro entrou na onça para matá-lo; e, se morre por doença, que o feiticeiro o comeu, o que é frase sua; e finalmente não pensam que alguém morre por outra razão a não ser a velhice. O modo de averiguar este «chai» e quem é o malfeitor (segundo me referiu uma pessoa muito prática nos ditos rios e é voz comum e coisa sabida) é comummente desta maneira: mandam juntar todas as pessoas de quem, sem fundamento, suspeitam e, postas em roda, vem um embusteiro ou adivinho, deita as sortes e, depois de muitas cerimónias, cabe a sorte a quem ele quer, porque a tal, ou ele ou o que ele chamou, lhe quer mal. Com isso começa o pobre a clamar, dizendo: «Senhor, não me mateis, vendei-me por aguardente.» Se houver ocasião, vendem-no e, se não, matam-no. E neste género de averiguações estão compreendidos muitos cristãos daquelas partes, especialmente perdendo-se-lhes alguma coisa. Outras vezes costumam dar-lhes a beber veneno em prova da sua inocência (VI), o que seria largo referir neste título, embora nos que os vendem é tão claramente injusto. Da parte dos cristãos que os compram poderia achar-se alguma probabilidade que o desculpasse de ilícito, pelas razões que, contra outros,alega Sánchez em Consilia seu Opuscula Moralia, 1.1, cap.l, dub. 4, n. 1., isto é, que, se o não compram, têm de matá-lo (VII). Mas são muito poucos os que assim se vendem, tantos nestes rios como nos que adiante direi, por causa dos muitos que de outro modo em que não ocorre a dita razão se cativam e se vendem, como se verá por esta relação.

2 - O segundo modo de cativeiro que há nos ditos rios é os meninos que vendem os limbas. Chegando a esta terra algum tangomau para fazer negócio, tem este estilo, segundo estou informado: se alguma mulher quiser vender um filho, chega à vizinha e diz-lhe que vai vender-lhe o filho por contas de vidro; que, se ela tiver algum para vender, ela lho venderá reciprocamente. E deste modo se vendem nos ditos rios muitos meninos saídos assim dos ditos limbas. E não é crível que os vendam as tais mães por necessidade, porque de ordinário as coisas que recebem dos brancos não lhes servem para o sustento, mas ou para adorno na vida ou para ostentação na morte, que faz que se conheça que tinha coisas de branco e o tragam todo à luz do Sol no dia do seu enterro, como por experiência vemos nesta ilha de Bissau; nem eles fazem tais vendas por necessidade, mas por costume.

3 - O terceiro modo é o que há numa casta de gente pela terra dentro destes rios, que corre a costa toda da Guiné adentro, chamados Fulas, cujo oficio e exercício é de salteadores, e não há outro dinheiro que roubar nos ditos rios senão negros. Chegam-se de vez em quando às terras mais próximas da costa do mar, fazem as suas emboscadas e saem ao caminho aos passageiros e entram nas aldeias; e, quando mais descuidados estão, prendem quantos podem, roubando-lhes a liberdade(VIII). E destes é grande o número dos que se vendem nos ditos rios e a maior parte, assim nos ditos como nos demais da Guiné, onde há muitos povos que têm o exercício dos Fulas, como adiante se verá (IX).

4 - Mais ao norte, correndo a costa, está o rio Nuno, onde nunca estiveram religiosos, com o qual confinam terra adentro os Fulas acima referidos, os Bagas e outros povos. O trato principal deste rio é de tintas e marfim; de um e de outro há grande quantidade. Compram-se também alguns negros, que, sem dúvida, serão dos que furtam os Fulas ou dos que os Bagas cativam pelos «chais» que acima referi, pois são do mesmo povo que os da Serra Leoa (X).

5 - A poucas léguas, na costa norte, estão as ilhas chamadas dos Bijagós, vizinhas a esta ilha de Bissau na qual habitamos agora. Das quais, pelo contínuo comércio que há nelas, sendo este o passo das embarcações que, de Cacheu, Farim e Geba e desta po¬voação vão lá, temos muitas notícias certas e averiguadas. Nas ditas ilhas reside o centro do contrato dos escravos, onde não há outro e donde sai a maior parte dos escravos que vão a Cabo Verde, e se compram nestes contornos, e onde vai todos os anos a maioria das embarcações destas partes somente para comprar escravos.

6 - A maneira que têm os negros de obter os ditos escravos que vendem é comummente de três maneiras: a primeira, que é a que tem mais aspecto de justiça, é quando os cativam por algum delito ou «chai», cuja substância e averiguação é muito parecida àquela que referi no primeiro número, porque a substância é ou por furtar uma pouca de fruta ou alguma espiga de milho, ou por algum delito fingido na ideia do que quer mal a outro e pode mais do que ele, ou, se algum houver de mais substância, alega-se ser a averiguação ou insuficiente ou supersticiosa, para cuja prova referirei dois casos e o modo de averiguação que têm nestas ilhas, como também a de Bissau, em que habitamos. Referiu-nos uma escrava o seu cativeiro, e foi assim: casou-se uma irmã sua e o marido gastou uma vaca no convite do casamento; poucos dias depois, fugiu-lhe a mulher, pelo que o tal marido prendeu a irmã com dois filhos que tinha e vendeu-os para ressarcir o gasto da vaca. Outra referiu que, sendo casada, um negro violou-a em sua casa, ela gritou para defender-se, tornou-se público o delito, e o delinquente, mais por medo que o prendessem, enforcou-se (coisa que costumam preferir a ser feitos escravos); então os parentes do enforcado cativaram a mulher que gritou, por ter dado ocasião à desgraça. E comummente usam, quando alguém está válido e poderoso e está agravado de alguma pessoa, ir-lhe cativando os seus parentes, até que morre; morrendo este, ficam desamparados os seus parentes, e dão os contrários sobre eles por vingança dos que o defunto prendeu, e assim por diante, andando continuamente prendendo-se uns aos outros, segundo o poder que cada um tem. O modo de averiguar os «chais», quando são de vulto, é juntar-se a gente em círculo ou roda, trazem uma galinha, cortam-lhe a cabeça, ela vai dando voltas, e aquele junto a quem vem parar, esse é o delinquente (XI). E usam também o mesmo modo nesta ilha de Bissau, sem outros modos comummente supersticiosos que seria longo referir; e pelo «chai» de um cativam toda a família.

7 - A segunda maneira é que, quando algum parente morre entre eles, herda toda a sua família, mulheres, filhos e escravos, com direito, bem torto, de vender todos por escravos. E fazem-no assim muito comummente, por qualquer aborrecimento que dêem ao tio, ou por não gostar deles, ou por oferecer-se ocasião de mercador que os compre. E desta espécie são muito mais os que vendem que os do género precedente de «chai». Que coisa mais bárbara, injusta e desumana? E os que aponto com o sinal de + nº 6 também são muitos, reduzem-se ao dos «chai» fingido.

8 - O terceiro género que vendem, que é a maioria, assim nas ditas ilhas como em todas estas costas, são furtados às claras, porque eles prezam-se de grandes guerreiros e capturadores, e tem-se por maior entre eles o que rouba mais e prende mais escravos. E assim saem do ordinârio por água, como os Fulas por terra, a corso, invocando primeiro os seus «chinas» ou ídolos (que cada um traz o seu consigo e são tão asquerosos que não se podem olhar sem horror), prendem quantos encontram, sejam estrangeiros, sejam dos seus, sejam seus parentes (que na dita função para tudo têm licença), de modo que os possam vencer sem mais causa nem razão (XII). Contou-me uma «tongoma» chamada Maria Soares, vizinha desta povoação de Bissau, que, tendo-a cativado os ditos Bijagós com a sua embarcação e gente, passando ao rio Grande, perguntou aos tais porque os cativavam sem fazer-lhes mal. Responderam: cativa¬mos-te porque te vemos com dinheiro e sem armas (XIII). Que bârbara sinceridade! E assim costumam fazer, porque de qualquer briga de uma mulher com outra, de palavras, chamam «guerra». Os tais cativos que assim prendem, ou vendem-nos aos mercadores, se para isso acham ocasião, ou trocam-nos por vacas aos mais poderosos das suas terras, e mais vulgarmente vendem-nos aos navios. Por isso vendem estes muitos escravos que compraram por vacas, mas são havidos comummente pelo modo referido (XIV). A maior parte dos que se vendem é por esta maneira, como já disse. E estes, como lhes dão mais trabalho, vendem-nos melhor. Disse-me um «tongoma», quando lhe perguntei se tinha comprado algum escravo dos que furtam nas ditas guerras: onde é que eu tenho vaca para comprar escravo de guerra? (XV)

9 - Mais rio acima nestas ilhas estão os Biafras, em terra firme (rio Grande). São muitos, não tão ladrões como os precedentes. Compram-se entre eles menos negros, porque não furtam tantos. Semeiam pouco, porque o seu comum exercício é ocuparem-se em juízos, tratando de averiguar «chais» e modos e manhas de cativar e vender. E especialmente há entre eles um rei muito poderoso e grande tirano, que chamam do Cabo. É tão desumano e cruel que costuma por capricho abrir as mulheres grávidas apenas para ver como está o feto no seu ventre; e costuma com maior crueldade pôr um menino num tanque ou gral e fazê-lo pisar ou malhar em presença da mãe; e costuma matar quem quer. Com que justiça cativará o grande número de escravos que possui, que vende e de quem faz liberais presentes aos cristãos? Raramente vai algum visitá-lo a quem não dê algum, e visitam-no muito por essa razão; a um enviou vinte escravos de presente. Quando vai à guerra, ou chamado por outros ou por sua vontade, seja justa ou injusta (que isso por aqui não tem importância), vai prendendo quantos pode pelo caminho, fazendo incursões nas aldeias comarcãs. De mais a mais, correm por estas partes pela terra dentro os Fulas referidos no nº 3. Com o que será preciso, para achar tantos escravos como os que saem destas partes e para descobrir algum que com justo título seja reduzido ao cativeiro, fazer muitas delicadas diligências durante muitos dias. Pelo menos, entre todos os géneros de prisões que em toda esta costa se fazem, não descobrimos até agora um que seja limpo e seguro em consciência entre tantos claramente injustos (XVI).

10 - Mais ao norte está a ilha de Bissau, que é de 14 ou 15 léguas de travessia. Está toda povoada, as casas umas à vista das outras; tem nove reis, todos sujeitos a um, que é o maior. No sítio e porto do rei grande há uma povoação de cerca de seiscentos cristãos, brancos, escravos e «tongomas» ou crioulos, descendentes destes gentios, com quem estão misturados, que não é povoação totalmente separada, nem os gentios o consentem. É terra apta para muitos frutos. Aqui vendem-se alguns escravos. Costumam juntar-se trinta ou quarenta canoas de guerra, cada uma com trinta ou quarenta homens, e vão por vezes a corso como os Bijagós, consultando primeiro uma feiticeira, chamada «baloba» (XVII), sobre o sucesso que terão. E os que prendem, trazem-nos para vender, e vendem-nos ordinariamente por vacas, que para eles é o melhor dinheiro, porque lhes custa mais trabalho, como disse dos Bijagós no nº 8.

Outros prendem por «chais», no que se usam ordinárias injustiças e armadilhas, como indica o nome, segundo disse no nº 1. Sucedeu-me, vindo pela terra dentro acompanhado por dois rapazes filhos de uma «jagra» que desejo converter à fé com a sua gente, e que aqui é poderosa, acharem um fornilho de cachimbo no caminho entre umas matas, bem à vista, que indicava claramente ter sido ali posto de propósito, e, levantando-o um dos rapazes, o intérprete que eu trazia, que era bem ladino e prático nestas coisas, disse-lhe: «Não leves esse cachimbo, porque aquele negro que agora passou deve tê-lo deixado ali para armar-te 'chai' e vender-te por escravo, pois assim costumam fazer.» Disto se pode concluir como são os seus «chais», que aqui não podemos dizer mais. O modo de averiguar o «chai» que é de alguma substância é usando entre outros a galinha, como já referi quando falei nos Bijagós no nº 8, e outros modos supersticiosos. Também costumam, quando morre o rei ou um grande, matar alguns escravos, segundo a qualidade da pessoa, para que o sirvam no outro mundo, e destes costumam resgatar alguns. E, ainda que este género de cativeiro tenha a sua aparência de probabilidade para comprá-los por escravos (tais com os que resgatam os tomam para seu serviço, mas creio que devem resgatá-los e pagar-se do resgate em trabalhos), segundo referi de Sánchez, nº 1, sucede de muitos em muitos anos; quid hoc inter tantos? E se alguns, por «chai» mal averiguado, em muitos destes rios da Guiné, matam se os não compram, isso acontece ordinariamente quando é por feitiçaria, de que digo o mesmo que, sendo mister esticar muito a teologia, depois de dar-lhe o dito tormento, são muito poucos. E os mercadores não podem armar uma embarcação que havia de trazer setenta escravos para ir buscar um que assim acharia, arriscando-se a não encontrar nenhum. Raros são por aqui os delitos graves, pelo dito rigor, e nunca ouvi referir nenhum homicídio de negro, salvo os que fazem a título de justiça (XVIII).

11 - Depois, vai correndo esta costa ao norte até ao rio de Cacheu por espaço de 14 ou 15 léguas, a qual se divide desta ilha de Bissau com um pequeno braço de água salgada, por onde passam comummente as embarcações destas costas. A dita terra firme é habitada por balantas e felupes (XIX), os quais costumam atacar as embarcações que passam; e porque comummente vão com armas, só atacam quando as vêem encalhadas (o que é corrente, pelos muitos vaus). Então, convocam-se ao som do bombalon, instrumento de que usam, vêm e roubam, e comummente cativam os pretos e matam os brancos, do que fazem grande ostentação, tendo-se por grande cavalheiro e valente o que mata o branco, e para isso levam a sua cabeça numa lança e fazem triunfo e algazarra da valentia. Dos cativos, os que antes eram escravos vendem-nos aos mesmos brancos e os que eram livres resgatam-nos, mas servem-se deles até que lhes paguem o resgate, e os serviços não entram em conta para a paga, senão que, depois de servi-los muitos anos, lhes há-de pagar pelo menos o que deu por ele; o tal resgate não é sem interesse (XX).

12 - Logo se segue o rio de Cacheu, povoado de felupes, papéis e banhunos. Têm guerra ou prisões ad invicem uns contra os outros sem nenhuma razão senão a de roubar o que mais pode. Na sua frase, a qualquer rixa ou roubo violento chamam «guerra», com que os ditos são latrocínios na nossa língua espanhola. Chegam também à povoação de Cacheu, e quando as raparigas vão por água à fonte, que está afastada da povoação um tiro de espingarda, prendem-nas, e assim outros. E logo vêm vendê-los a Cacheu, onde se compram, sem queixar-se do latrocínio, porque, se dizem que tal escravo era seu e que lho roubaram, logo formam agravo e «chai» de que o acusam de ladrão e prendem-lhe algum escravo, até que paga o fingido «chai». E neste caso os mercadores fazem as suas ciladas e costumam obter os seus proveitos injustos quando um compra o escravo de outro, e, se lho pede o dono, fingir que lhe custou mais; mas o que acontece à luz do dia é dá-lo pelo que lhe custou. Não se acha em toda esta costa onde pôr o pé que esteja livre do laço da injustiça no dito trato. Finalmente, assim no dito rio como em todos os destas costas da Guiné, não pudemos descobrir alguma espécie de cativeiro em que se possa assegurar a consciência, nem lha há-de descobrir o mais apaixonado por defender o dito trato, salvo algum caso muito particular de algum delito público instruído ou algum que o mesmo confessa o delito (o que será caso raro). E de outro modo não é possível averiguá-lo, como é público e confessado pelos próprios mercadores; e se são poucos (porque pelo delito de um cativam toda a sua parentela), que será em comparação com a multidão que com a tirania se prendem e cativam? (XXI)

13 - Correndo a costa até ao norte estão os rios de Gâmbia, Jame e Zenaga, onde não estiveram religiosos, povoados de variadas gentes, jalofos, mandingas e outros. No de Jame, os Portugueses têm grande contrato de cera, que está mais perto de Cacheu, no qual assistiram religiosos portugueses da nossa missão, de quem não tomei informação porque regressaram a Portugal e não tive ocasião. Creio que, se se vende algum escravo, será e se pode reputar com os de Cacheu, porque tudo está junto e é quase um comércio. Nos rios de Gâmbia e Zenaga têm feitoria os Franceses e Ingleses, e, segundo me informei de um francês que chegou aqui entre outros daquela feitoria, homem versado em latim e alguma coisa de estudos maiores, o dito trato naquelas partes excede os referidos em injustiça (como indica o caso que me referiu). Sabendo que nós impugnamos o dito trato, quis buscar razões para defesa dos mercadores, e eu obriguei-o a confessar que era claramente injusto da parte dos ditos mercadores. Porque, da parte dos negros que os vendem, confessava serem a maior parte latrocínios; em confirmação do que o caso que me referiu e que lhe aconteceu foi assim: o dito francês chegou para fazer negócio com um rei gentio, o qual enviou a prender uma povoação inteira. Vieram todos e disse ao mercador que escolhesse os que lhe parecesse; escolheu uns e repudiou outros que não lhe agradaram, os quais o rei mandou regressar livres a suas casas, e eles deram muitas graças ao branco porque os não quis comprar e voltaram muito contentes (XXII). Isto alude ao que escreve o Pe. Sandoval, da Companhia, no livro Historia de Etiopia, onde diz que lho contou um sacerdote da Guiné, nas Índias, na cidade de Cartagena, perguntando-lhe por isto; respondeu-lhe que não havia ninguém livre na Guiné, porque os reis tinham todos os súbditos como escravos, como os senhores da Europa têm matagais de gado para sua riqueza e ganância (XXIII). E devia falar das ditas partes; mas quem considerar o que se passa nas outras referidas verá que tudo é um, porque, ainda que estejam a cara descoberta, o rei cativa os que se lhe deparam não sendo figaldo ou grande, o corsário os que pode haver, o tio os parentes e sobrinhos, os pais os filhos, o poderoso os do bando do inimigo morto ou caido ou desvalido, os ricos os pobres, sendo tudo uma mera injustiça. E o que ainda é mais grave é que os mercadores, às vezes, levando para isso muita aguardente (que sem isto não há negócio), emborracham-nos e incitam-nos e acusam-nos de cobardes, se lhes não vendem negros, e de pouco urbanos, e com isso, eles, picados da vaidade e da aguardente, oferecem trazer escravos, e vão prender com algum bárbaro título os primeiros que encontram, e muitas vezes ficam eles na estacada; assim o referem comummente e outros inconvenientes que depois direi.

14 - Isto é o que brevemente pude coligir acerca do dito contrato do muito que havia para dizer, para o qual seria mister um grande volume; e tudo é público e notório, voz comum de pequenos e grandes, rudes e instruídos, porque todos o tocam e experimentam, e nenhum achei que diga o contrário. Do que foi dito colige-se claramente que não só a maior parte dos escravos que saem dos rios referidos são injustamente reduzidos a cativeiro, mas que, decerto, se se achar um que seja bem havido, será o muito, e mesmo assim duvido. E, juntando-se ao que já se disse, o não fazer-se exame da justiça dos ditos cativeiros quando se compram e ser moralmente impossível fazê-lo (como todos confessam) (confessando juntamente que, se se tivesse de contratar com o dito exame, no caso de isso ser possível, cessaria o trato de todo, como se pode ver e aponta a razão no fim do nº 10) - quem não vê que é mais claro que a luz do dia ser injusto e contra a consciência o dito comércio da parte dos mercadores e ainda dos que compram na Europa (XXIV), se têm certeza moral do que por aqui se passa? A não ser que a muita claridade a mim me tire a vista ou eu tenha o entendimento tão alucinado que me pareçam luz as trevas. E porque da minha insuficiência posso presumir, escrevo esta informação para que, se é lícito, V. Majestade o proíba e, se estou alucinado, me mande o desengano e de um ou outro modo se assegurem as consciências destes pobres e as nossas.

15 - Acrescento a tudo o que disse os gravíssimos inconvenientes que se seguem do dito comércio. O primeiro é que os que compram os ditos negros são ocasião das injustiças dos que os prendem; porque, se os não comprassem, tomariam outro oficio em que ganhariam de comer e deixariam o de furtar escravos, pois já lhes não valia dinheiro, que é todo o seu desejo e cuidado. Assim me referiu um fidalgo desta ilha que, saindo daqui muitas canoas a corso, e pintando-lhe eu de negro o assunto, me respondeu: «Padre, bem conhecemos que isto está mal, mas vemos que os Brancos empregam todo o seu dinheiro em buscar escravos, e parece que não buscam outra coisa, e assim nós vamos buscar, como podemos, aquilo por que nos dão dinheiro; se eles comprassem outras coisas, daquelas comprariamos nós.» E é mais que certo que, se não lhes dessem nada por eles, não arriscariam a vida para os ir buscar.

O segundo é que, especialmente nos Bijagós, quando chega o mercador ao porto para agasalhá-los, matam galinhas e sacrificam-nas ao branco, como se fosse Deus, regando-lhe os pés com sangue e pegando com ele as penas, e assim os emplumam, e fazem o mesmo ao mastro do navio (que dizem ser o deus do Branco) (XXV). E permitem toda esta abominação para os ter contentes e não os desgostar para o negócio, comendo depois as ditas oferendas, que abhorrent aures. E aqui em Bissau, quando chega algum navio, costumam oferecer uma vaca ao capitão, mas primeiro hão-de matá-la no seu «china» ou ídolo, que é uma árvore chamada «tarafe»; e, se lha hão-de dar viva porque assim o pede o capitão, cortam-lhe o pescoço e primeiro derrama sangue ao ídolo (como sucedeu aqui a um biscainho). E tentando os nossos impedi-lo, um português do Brasil tomou o conselho e não quis admitir tal abominação.

O terceiro é que, como há tanto número de escravos, já têm por descrédito trabalhar o homem livre e desprezam-se de servir. Nem dizem se podem casar se não têm escravos que os sirvam, e vivem comummente publicamente amancebados. E com isso tudo é desejar ter escravos para serem homens e valer: e entretanto é pessoa de estimação enquanto tem escravos que o sirvam, senão não é ninguém (frase sua). E esta vaidade tocou de tal maneira os próprios gentios, que se acha mais presunção nestes currais de gado habitados por homens cujo único fato é uma pele de cabra, até o próprio rei, que por sinal de grandeza traz um barrete de dançarino e enverga um manto pelos ombros, que nas mais estimadas cortes da Europa.

O quarto inconveniente é que, estando todos cheios de escravos, não se podem governar com política cristã, nem ser bem dísciplinados nela (o que alegam em sua defesa os mercadores), porque não há casas suficientes para recolhê-los e apartar os homens das mulheres. Cada um faz a sua choça, vai onde quer e dorme com quem se lhe depara, sem que a isto se possa dar remédio. Nem ordinariamente lhes podem dar suficiente vestido, nem sustento espiritual ou temporal; nem se tente meter-lhes na cabeça o casarem-se, dizendo que não podem só por serem escravos. Trazem as escravas ao uso gentílico nuas como vieram ao mundo, apenas com uma tira de seis dedos de largura pendurada à frente, que é sinal de virgindade; e isto, mesmo que tenha vinte anos, até que haja quem lhe tire a dita jóia. E então lhe dá pano e tira-lhe o «calambe» (assim se chama a dita tira); com isto sabe-se que já tem mancebo. E costumam fazer esta mudança de trajo com solenidade muitas vezes supersticiosa e gentílica. E isto passa-se entre os brancos de mais estima, servindo às mesas as ditas donzelas como se fossem das mais modestas daí, coisa que pareceria incrível se não o estivéssemos vendo a cada passo ou fechando os olhos para não ver coisa e espectáculo tão desavergonhado e fora de toda a razão. E com o contínuo trazê-los de uma parte para outra, estão tão ignorantes na fé como quando estavam na gentilidade.

O quinto: seguem-se grandes ódios e inimizades entre os gentios pelas ditas prisões, e os parentes dos presos concebem grande ódio contra os brancos que os compram, com o que se impede a entrada a descobrir estas terras e amansar estas gentes. Ninguém se atreve a entrar sem a ajuda de algum grande, de quem se faz amigo na esperança do negócio. E impede-se a propagação da fé, assim por este como pelo primeiro inconveniente que referi, porque, não deixando os negros as ditas injustiças, não podem ser baptizados, e, não deixando de os comprar, não as hão-de deixar.

O sexto inconveniente: as contínuas desgraças que, por clamores da liberdade destes miseráveis, se experimentam cada dia nestas partes. Não se ouve outra coisa neste porto, por onde passam todas as embarcações, senão o navio de Fulano foi a pique, Fulano afogou-se, a outro os negros roubaram e mataram. Em menos de um ano foram a pique quatro navios, em pouco mais, dois tinham sido roubados, e quase todos os anos sucede assim. E, sendo o sentir comum entre os Brancos que isto é castigo de Deus pelo referido contrato injusto, a tudo fecham os olhos e dizem que não podem viver sem ele; e eu penso que esta é a razão que lhes dá mais força, porque as outras bem sabem que são insuficientes. Mas é apoio do apetite, não da razão.

É assim, senhor, que tudo se passa, e o facto real, segundo o que pudemos apurar, segundo Deus nos inspira e a nossa consciência nos dita. Estes são os inconvenientes que experimentamos do dito comércio. Isto é público e comummente confessado por todos, confessando juntamente que, se se tivessem de ir buscar escravos bem havidos da parte dos que os cativam, cessaria totalmente o dito comércio e ninguém os iria buscar. E com isto querem salvar e justificar o dito contrato pela sua parte: por um lado, porque eles não os furtam, nem sabem se são furtados, coisa que não podem ignorar, como consta do que foi dito; por outro, porque dizem fazer-lhes beneficio em trazê-los à cristandade e melhorá-los de cativeiro e trazê-los ao caminho da salvação talvez sucedesse assim; por outro lado, porque é costume antigo, e nem S. Majestade nem os senhores bispos o proibiram, Deus sabe porquê; e que outros sacerdotes que aqui estiveram não o condenaram, antes exercitaram, lá lhes pedirão a razão disto, porque eu não a alcanço, ainda que me pareça porquê; porventura uns por bem, vendo que o não podem remediar, e outros por ignorância, e outros porventura fechando-lhes os olhos a tanta luz as trevas do interesse. Não me meto a averiguar isto, mas estas razões não podem eles mesmos deixar de tê-las por insuficientes. Mas parece-me que os move a contradizer o que vêem claramente outra que dão, que é não poderem viver aqui sem esse contrato. Bem afiançam a sua consciência contra uma lei natural, demais a mais que o sustento do homem não está afiançado em comércios ilícitos; cara nos custaria a conservação e Deus obrigar-nos-ia a deixar-nos morrer. Não faltarão outras maneiras que a Divina Providência administrará a quem, para não a ofender, deixa o mau ganho.

Finalmente, eu não achei nenhuma das ditas razões entre os títulos que os doutores dizem que induzem a legítimo cativeiro. Não posso ter visto tudo, por isso não quero que valha a minha opinião, mas suplico pelas entranhas piedosas do nosso Deus a V. Majestade que mande ver e consultar esta matéria quanto antes, por instar muito a sua resolução, dado o perigo em que estão as consciências por não quererem resolver-se a abandonar o dito trato enquanto não for resolvido aí. Nem sequer pode valer-nos o título de boa-fé para administrar-lhes os sacramentos, porque, não achando motivos a nossa consciência para assegurar-se em coisa que nos parece ser tão claramente injusta, vemo-nos obrigados a declarar a verdade a quem mordia a consciência e por este meio foi tornado público o nosso sentir, e todos saíram da boa-fé, se algum ainda a tivesse. Se se achar que o dito contrato é lícito, mande-nos dar notícia para assegurar as consciências; se for injusto, digne-se proibi-lo e mandar que os ditos escravos sejam devolvidos à liberdade segundo determina o direito, introduzindo outras formas de comércio. Porque, cessando as injustiças, mostrará a Divina Providência que a justiça e cristandade prosperam os reinos e aumentam os bens temporais; os infortúnios transformar-se-ão em felicidades e descobrir-se-ão as riquezas que porventura esta negra escravidão tem ocultas nestas partes, pois, como dizem alguns práticos, não há Índias como a Guiné, se se descobrissem e houvesse disposição. Este é o nosso sentir, em fé do que assinamos os nossos nomes.

Nesta ilha de Bissau, a 14 de Abril de 1686.

Fr. Francisco de la Mota
Fr. Angel de Fuente la Peña

O contido no dito papel acerca do contrato dos negros é verdade, como vi e ouvi durante mais de oito anos, em fé do que assino.

Fr. Buenaventura de Maluenda M,io Capuchinho.

NOTAS
I - Biblioteca da Ajuda, 54-XIII-15, nº 94 (cota antiga 52-XI-9, nº 94).

II - É o canal junto da actual Sherbro Island.

III - O rio e o cabo continuam a ter o mesmo nome.

IV - Verifica-se que há a tendência para aplicar a designação genérica de Sapes a
vários povos da Serra Leoa, como nas fontes portuguesas antigas. Os "Bolumos" e "volumos" são os "Boiões" dos textos lusitanos, ou seja, os "Bullom", e os "Logos" são os "Lokos". Note-se referência aos Bagas tanto a sul. O rio de Caçeres é o Skarcies River.

V - O rio Samos é um dos que ficam entre o cabo de Sagres (P. te Kalum) e o Skarcies River, enquanto os rios Tafalis e Ponga são braços do estuário do rio Fatala.

VI - Trata-se da conhecida prova da «água vermelha», usada entre numerosas etnias e a que os textos antigos se referem frequentemente.

VII - Trata-se da obra do jesuita Thomaz Sancbez, Consilia seu Opuscula Moralia, cujo «Liber Primus, Caput I, Dubium IV» se intitula «An sit licita negotiatio, qua Lusitani emunt & vendunt nigros Aetbiopianos tanqam servos? & an etiam quilibet privatus emens, aut vendens aliquam ex his servis, peccet». O autor conclui que o comércio dos Portugueses é ilicito, menos quando se trate dos casos em que hâ bom fundamento na escravidão dos individuos.

VIII - Os assaltos dos Fulas são referidos num texto coevo, as descrições da Guiné de LEMOS COELHO (1669, cap. VII; 1684, cap. IX).

IX - A matéria respeitante à forma como eram feitos escravos na área entre o R. Ponga e a Serra Leoa vem dada de forma resumida em ANGUIANO, ob. cit., II, pp. 131-2 (nos. 1-5), embora com pequenas variantes (como a indicação dos povos Zapes Zapes e Conchos) e ordem diferente, o que é indicio de que foi utilizado um texto distinto do que estamos analisando, embora afim e certamente dos mesmos autores.

X - A matéria deste parágrafo é dada, com redacção diferente (que inclui, além dos Zapes Vagas e Fullos, os Cocolis e Nallos), em ANGUIANO, loc. cit., pp. 132-3 (nº 6).

XI - A «prova da galinha» continuou a ser um ordálio frequente entre os Bijagós, com variadas finalidades.

XII - Os ferozes assaltos dos Bijag6s aos povos vizinhos, desde os Felupes aos Nalus (mas sobretudo aos Biafadas), é atestado, com abundância de pormenores, pela generalidade dos autores que se ocuparam da zona, a partir de Álvares de Almada.

XIII - A mesma Maria Soares, moradora em Bissau, é referida numa carta do capitão¬-mor de Bissau, Rodrigo de Oliveira da Fonseca, de 23 de Abril de 1699, a propósito de se querer esquivar ao pagamento dos direitos de uma lancha sua que carregara cola da Serra Leoa para Geba (Arquivo Histórico Ultramarino, Papéis avulsos, Guiné. Caixa 2, 271).

XIV - Também LEMOS COELHO, na descrição de 1684 (cap. VIl), refere a frequência da troca de escravos por vacas entre os Bijagós, «com que vieram a ter tal criação nas ditas ilhas que hoje todas estão muito abundantes e cheas delas». A importância das vacas continua a ser grande para os Bijag6s, como o traduzem as suas máscaras e a dança da «vaca bruta».

XV - ANGUIANO,loc. cit., pp. 133-5 (nos. 7-14), embora dando na parte mais substancial informação semelhante quanto aos Bijagós, apresenta uma redacção bastante diferente e aspectos novos.

XVI - ANGUIANO,loc. cit., pp. 135-7 (nos. 15-21), dá uma informação sensivelmente mais desenvolvida quanto aos Biafadas, deles separando os habitantes do Cabo, que diz serem Mandingas, contando igualmente as barbaridades do seu rei, do que também se ocupa La Courbe (CULTRU, ob. cit., pp. 251-3).

XVII - A palavra balouba é hoje empregada para designar pequenos cobertos de palha sob os quais estão depositados objectos mágicos, sendo o indivíduo que os utiliza designado por baloubeiro (figuras 10 e 11).

XVIII - O caso dos Papéis é tratado com mais desenvolvimento em ANGUIANO, loc.
cit., pp. 141-3 (nos. 1-5), dele se ocupando também La Courbe (CULTRU, pp. 222-4).

XIX - Verifica-se que era então habitual ir de Bissau a Cacheu pelo rio Mansoa e canais de Jeta e Pecixe; por isso se encontravam felupes, desde o Botê até à entrada do rio Cacheu.

XX - Informação afim é dada por ANGUIANO, loc. cit., pp. 143 (nos. 6 e 7).

XXI - ANGUIANO, loc. cit., pp. 143-4 (nos. 8-10), traz uma informação coincidente
em parte, e com algumas variantes.

XXII - o francês em questão pareceria, à primeira vista, ser La Courbe, pois este, no relato da sua viagem refere o escrúpulo dos Capuchinhos de Bissau na matéria do título dos cativeiros, e diz que enviaram um manifesto em latim para a Espanha, Portugal e Itália, tendo-lhe dado outra cópia para levar para França. Mas o manifesto que estamos a analisar é datado de 14 de Abril de 1686, data em que La Courbe ainda não iniciara a sua viagem para sul do Gâmbia. É, portanto, mais plausivel que se trate de La Fond, agente da companhia francesa em Bissau, e que após a sua assinatura como testemunha dos factos narrados numa carta de 1 de Junho de 1686 dos Capuchinhos espanhóis ao rei de Portugal (Arquivo Histórico Ultramarino, Papéis avulsos, Guiné, Caixa 2, publicada in ANGUJANO, II, pp. 277-8).

XXIII - A passagem referida encontra-se a f. 70 do livro SANDOV AL. ANGUIANO, loc. cit., pp. 144-5 (nº 11), tem uma informação mais reduzida a respeito da área para norte de Cacheu.

XXIV - É estranho que os autores do manifesto só refiram aqui a culpa dos compradores na Europa, quando a quase totalidade dos escravos ia para a América, tanto portuguesa como espanhola; aliás, o trâfico de escravos da Guiné desenvolveu-se, a partir da segunda década do século XVI, sobretudo por causa da crescente procura pelos colonos castelhanos da América Central, para onde eram levados os escravos na sua maioria (exceptuando durante alguns periodos limitados).

XXV - Facto também referido por ANGUIANO, loc. cit., p. 134, e La Courbe (in CUL. TRU, ob. cit., p. 220).



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