domingo, agosto 07, 2005
Introdução a "As viagens do bispo D. Frei Vitoriano Portuense à Guiné"
INTRODUÇÃO
por Avelino Teixeira da Mota
in "As viagens do bispo D. Frei Vitoriano Portuense à Guiné"
Biblioteca da Expansão Portuguesa
Publicações Alfa, S.A., Lisboa, 1989
Ao invés do que se verifica em relação às cidades de Angola e de Moçambique, cuja história tem merecido a atenção de numerosos estudiosos, o passado da cidade e da ilha de Bissau não tem concitado grandes atenções. Além do contido nas monografias clássicas de Chelmicki e Varnhagen e de Lopes de Lima, respeitantes a Cabo
Verde e à Guiné, nas histórias gerais de Sena Barcelos e de João Barreto e em alguns relatórios de governadores, a bem pouco se reduz a bibliografia da história de Bissau. Assim, apenas nos ocorrem, nesse domfnio, certas partes do relatório do médico Damasceno Isac da Costa, o estudo de Cunha Saraiva sobre a última fortaleza, a anotação de Damião Peres sobre a defesa castrense da povoação e o cuidado, mas breve, estudo de Fausto Duarte (I).
Se é esta a situação no que respeita à história da povoação, ela é ainda bem pior no concernente ao estudo do passado dos Papéis, o grupo étnico que vivia na ilha quando a ela chegaram os Portugueses, pois aquele está praticamente por fazer.
O presente livro pretende trazer uma contribuição para a melhoria dos conhecimentos nesse duplo campo, o da história da povoação onde se fixaram os Portugueses e o da história dos Papéis da ilha. Neste último aspecto já nada pudemos recolher nos domlnios da tradição oral; uma indagação rápida não nos permitiu saber de informadores fidedignos na zona oriental da ilha, onde se situa a cidade capital, e a inexistência ou raridade deles ai foi-nos confirmada por Femando Rogado Quintino, que desde há bastante tempo se ocupa do estudo do povo papel. O crescimento da cidade e o caldeamento das populações parece terem já levado os Papéis dessa zona ao olvido do seu passado, afigurando-se que será sobretudo com os habitantes da zona ocidental da ilha (Tor e Biombo), ainda marcadamente rural e muito mais tradicional, que haverá que contar para tentar salvar do total esquecimento algo que ainda reste na memória de alguns homens velhos (II).
Em boa parte, os textos mais importantes que servem de base a este volume foram recolhidos no decurso dos trabalhos, que se desenrolam desde 1963, para a edição das fontes antigas portuguesas (séculos XV-XVII) relativas à África ocidental entre o Senegal e a Serra Leoa e com interesse para a história da geografia e dos povos africanos. De certo modo, o presente livro abre a série, embora os textos publicados sejam na maioria do final do século XVII e apenas venham a lume na língua original e sem as versões francesa e inglesa previstas para o conjunto, já que quase só dizem respeito a territórios e povos incluidos na Guiné Portuguesa.
O período em que foram escritos, o dos dois últimos decénios do século XVII, é certamente um dos mais interessantes da história de Bissau, e talvez dos menos conhecidos. Devido, sobretudo, às vantagens da sua situação geográfica, mais que às condições, sofriveis, do seu porto, a importância da povoação escolhida pelos Portugueses para se estabelecerem no rio Grande foi crescendo ao longo desse século, e isso não podia deixar de acarretar conflitos com outros europeus interessados em se expandirem na área dos «Rios da Guiné de Cabo Verde». Esse facto trouxe incidências na própria acção mission6ria, já que à presença dos capuchinhos espanhóis, até então tolerada na Guiné na maior parte dos casos, era natural que se preferisse a de frades portugueses.
A defesa contra os concorrentes estrangeiros no comércio - sobretudo os Franceses - logicamente conduziu ao propósito de construir no porto de Bissau uma fortaleza que lhes impedisse o tráfico livre. Por sua vez, tal facto trazia alterações importantes nas relações entre os Portugueses e os Papéis, com larga possibilidade de conflitos. A fortaleza fez-se, e passados poucos anos, ainda inacabada, el-rei de Portugal mandou-a arrasar, desistindo por então de impor o monopólio comercial; atitude prudente, até porque, adversários de Portugal na Guerra da Sucessão de Espanha (1703-1713), os Franceses saquearam durante ela a cidade da Ribeira Grande, na ilha de Santiago de Cabo Verde, a cidade do Rio de Janeiro e a ilha do Principe, e certamente lhes teria sido fácil tomar o forte que os Portugueses tivessem em Bissau. No povoado ficaram os mission6rios e os comerciantes, até que, meio século volvido, se iniciou a construção da majestosa fortaleza de S. José, com o poderoso amparo da Companhia do Grão-Pará e Maranhão.
Dos seis textos que agora se editam, o primeiro, de começos do século XVII, constitui a mais antiga descrição, com relativo desenvolvimento, da ilha e dos Papéis. Inédito até aqui, é capitulo da Etiópia Menor, do jesuita Manuel Álvares, que foi devotado missionário na Serra Leoa, onde morreu em 1617.
Quatro dos restantes textos dizem respeito à acção mission6ria, sendo dois da autoria de Fr. Vitoriano Portuense, bispo de Cabo Verde, e outro relacionado com a sua acção. Explica-se, assim, que o presente livro, como é expresso no seu titulo, esteja centrado na actividade desse not6vel mission6rio, que fez duas viagens à Guiné e interveio activamente nos acontecimentos que por então se desenrolaram em Bissau.
O primeiro desses textos é a carta em que o bispo dá conta a D. Pedro II da sua primeira viagem, em 1694. Foi publicada na sua maior parte pelo Pe. António Joaquim Dias Dinis, em 1937, e edita-se agora na totalidade.
Baseia-se nela em parte um opúsculo muito raro, saido em 1695, em que se descreve também o baptismo, em Lisboa, de um filho do rei de Bissau. Embora o publicássemos em periódico de Bissau em 1964 e 1965, novamente se edita agora, dada a sua grande relação com outros textos.
Pudemos localizar o relato da parte inicial da segunda viagem de Fr. Vitoriano Portuense à Guiné, contendo a descrição do baptismo, em vésperas de morrer, do rei de Bissau, Bacampolo-Có ou D. Pedro. Publica-se também agora pela primeira vez, julgando-se ser totalmente desconhecido antes, pois nem sequer o minucioso cronista da Provincia da Soledade, Fr. Francisco de Santiago, o cita ou utiliza.
Após estes quatro textos portugueses, editam-se mais um em francês e outro em espanhol. Aquele é um trecho, infelizmente truncado no começo, respeitante à ilha de Bissau e à viagem que lá fez em 1686-1687 o senhor de La Courbe; servimo-nos da edição de 1913 de Cultru. É um texto valioso, pela sua objectividade e pela soma de elementos que dá relativos à influência portuguesa.
La Courbe encontrou em Bissau três capuchinhos espanhóis, e fala-nos do manifesto contra a escravatura por eles feito. É este um assunto que tem andado envolvido em certa confusão, o que em parte se deve à deficiente maneira como o relato de La Courbe foi utilizado no conhecido livro de Labat sobre a África ocidental. Sabia-se que um exemplar do manifesto chegara a Roma, por via do núncio em Portugal, e que dele se ocupara a Propaganda Fide, e só apenas através das actas das sessões desta se tinha uma ideia do seu conteúdo. O texto que agora trazemos a lume é o do exemplar enviado ao rei de Portugal, e o seu conhecimento vem lançar muita luz na matéria. Talvez tal documento tenha contribuido para as viagens de Fr. Vitoriano Portuense à Guiné e para certas formas da sua actuação, nomeadamente no que se refere ao baptismo dos escravos.
Os seis textos são precedidos de um estudo, acompanhados de notas e seguidos de um apêndice documental em que se transcrevem várias fontes que muito contribuem para a sua melhor compreensão e para mais perfeito esclarecimento dos factos ocorridos então em Bissau.
(NOTA: o "apêndice documental" não está incluído na presente edição das Publicações Alfa, Biblioteca da Expansão Portuguesa, nº 48)
O nosso estudo destina-se sobretudo a apresentar tais textos e a facilitar a sua interpretação, e de modo algum pretende ser uma análise aprofundada dos acontecimentos da época, para o que lhe falecem muitos elementos, nomeadamente no campo económico.
Do conjunto desses textos, dos documentos finais e daquilo que escrevemos, ressaltam numerosos conflitos em vários campos: entre missionários espanhóis e missionários portugueses, entre portugueses e franceses, entre europeus e africanos, entre o bispo de Cabo Verde e o capitão-mor de Bissau, etc. Cremos haver aí bastante matéria para reflexão e para mais aprofundado estudo.
Apraz-nos ainda salientar que várias das fontes que transcrevemos ou utilizamos documentam o alto critério e notória prudência de vários pareceres do Conselho Ultramarino em questões abordadas neste livro, pelo que julgamos que este traz um modesto contributo para a história desse venerando órgão da administração do ultramar.
Em ilustrações fora do texto apresenta-se uma selecção de espécies cartográficas (de meados do século XVII a meados do século XVIII), que desde há muito vimos inventariando com vista ao estudo da história da cartografia de Bissau e zonas próximas.
A terminar, desejamos deixar bem expresso o nosso agradecimento às pessoas que, desta ou daquela maneira, nos auxiliaram no nosso trabalho: Dr. Lu(s de Albuquerque, por nos ter feito a transcrição de documentos na Biblioteca Nacional de Paris; Alexandre de Almeida e Comte. Silvano de Freitas Branco, por da Guiné nos haverem enviado vários elementos da tradição oral dos Papéis; Dr. Maria Francisca de Andrade, por nos haver auxiliado na transcrição de um dos textos; Dr. José Pereira da Costa, director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, pela ajuda na procura de um auto; Pe. António Joaquim Dias Dinis, por nos ter facultado a consulta do manuscrito da valiosa 2ª parte da Chronica da Provinda da Soledade, da autoria de Fr. Francisco de Santiago e propriedade dos Franciscanos portugueses; Fernando Galhano, pela execução de um desenho; Fernando Rogado Quintino, por ter corrigido alguns erros do texto, haver prestado várias informações sobre os Papéis e ter cedido algumas fotografias; Dra. Maria Emlia Madeira Santos, por ter procurado alguns documentos, enviando-nos as transcrições para Angola.
De igual modo registamos o nosso agradecimento à direcção das instituições a que pertencem os documentos que aqui são publicados: Archives Nationales de Paris, Arquivo Histórico Ultramarino, Biblioteca da Ajuda, Bibliotheque Nationale de Paris, Biblioteca da Universidade de Coimbra e Sociedade de Geografia de Lisboa.
Luanda, Novembro de 1970.
A. TEIXEIRA DA MOTA
NOTAS
I - DAMASCENO ISAC DA COSTA, Relatório do Serviço da Delegação da Junta de Saude na villa de Bissau respectivo ao anno de 1884, Lisboa, 1887,91 pp.; JOSÉ MENDO DA CUNHA SARAIVA, «A fortaleza de Bissau e a Companhia do Grão-Pará e Maranhão», in Congresso Comemorativo do V Centenário do Descobrimento da Guiné, Lisboa, I, 1946, pp. 157-191; DAMIÃO PERES, Planta da Praça de Bissau e Suas Adjacentes por Bernardino António Álvares de Andrade, Lisboa, 1952; Anuário da Guiné Portuguesa, Bissau, 1946, pp. 207-229 (pp. 357-409 na edição de 1948).
II - Ao menos no que respeita a genealogias e listas de reis. De um povo afim, os Manjacos de Caió, ainda foi possivel, há um quarto de século, recolher a relação dos reis: ARTUR MARTlNS DE MEIRELES, «Baiú (Gentes de Kaiú)>>, in Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, III, 11, Julho 1948, pp. 607-638.
por Avelino Teixeira da Mota
in "As viagens do bispo D. Frei Vitoriano Portuense à Guiné"
Biblioteca da Expansão Portuguesa
Publicações Alfa, S.A., Lisboa, 1989
Ao invés do que se verifica em relação às cidades de Angola e de Moçambique, cuja história tem merecido a atenção de numerosos estudiosos, o passado da cidade e da ilha de Bissau não tem concitado grandes atenções. Além do contido nas monografias clássicas de Chelmicki e Varnhagen e de Lopes de Lima, respeitantes a Cabo
Verde e à Guiné, nas histórias gerais de Sena Barcelos e de João Barreto e em alguns relatórios de governadores, a bem pouco se reduz a bibliografia da história de Bissau. Assim, apenas nos ocorrem, nesse domfnio, certas partes do relatório do médico Damasceno Isac da Costa, o estudo de Cunha Saraiva sobre a última fortaleza, a anotação de Damião Peres sobre a defesa castrense da povoação e o cuidado, mas breve, estudo de Fausto Duarte (I).
Se é esta a situação no que respeita à história da povoação, ela é ainda bem pior no concernente ao estudo do passado dos Papéis, o grupo étnico que vivia na ilha quando a ela chegaram os Portugueses, pois aquele está praticamente por fazer.
O presente livro pretende trazer uma contribuição para a melhoria dos conhecimentos nesse duplo campo, o da história da povoação onde se fixaram os Portugueses e o da história dos Papéis da ilha. Neste último aspecto já nada pudemos recolher nos domlnios da tradição oral; uma indagação rápida não nos permitiu saber de informadores fidedignos na zona oriental da ilha, onde se situa a cidade capital, e a inexistência ou raridade deles ai foi-nos confirmada por Femando Rogado Quintino, que desde há bastante tempo se ocupa do estudo do povo papel. O crescimento da cidade e o caldeamento das populações parece terem já levado os Papéis dessa zona ao olvido do seu passado, afigurando-se que será sobretudo com os habitantes da zona ocidental da ilha (Tor e Biombo), ainda marcadamente rural e muito mais tradicional, que haverá que contar para tentar salvar do total esquecimento algo que ainda reste na memória de alguns homens velhos (II).
Em boa parte, os textos mais importantes que servem de base a este volume foram recolhidos no decurso dos trabalhos, que se desenrolam desde 1963, para a edição das fontes antigas portuguesas (séculos XV-XVII) relativas à África ocidental entre o Senegal e a Serra Leoa e com interesse para a história da geografia e dos povos africanos. De certo modo, o presente livro abre a série, embora os textos publicados sejam na maioria do final do século XVII e apenas venham a lume na língua original e sem as versões francesa e inglesa previstas para o conjunto, já que quase só dizem respeito a territórios e povos incluidos na Guiné Portuguesa.
O período em que foram escritos, o dos dois últimos decénios do século XVII, é certamente um dos mais interessantes da história de Bissau, e talvez dos menos conhecidos. Devido, sobretudo, às vantagens da sua situação geográfica, mais que às condições, sofriveis, do seu porto, a importância da povoação escolhida pelos Portugueses para se estabelecerem no rio Grande foi crescendo ao longo desse século, e isso não podia deixar de acarretar conflitos com outros europeus interessados em se expandirem na área dos «Rios da Guiné de Cabo Verde». Esse facto trouxe incidências na própria acção mission6ria, já que à presença dos capuchinhos espanhóis, até então tolerada na Guiné na maior parte dos casos, era natural que se preferisse a de frades portugueses.
A defesa contra os concorrentes estrangeiros no comércio - sobretudo os Franceses - logicamente conduziu ao propósito de construir no porto de Bissau uma fortaleza que lhes impedisse o tráfico livre. Por sua vez, tal facto trazia alterações importantes nas relações entre os Portugueses e os Papéis, com larga possibilidade de conflitos. A fortaleza fez-se, e passados poucos anos, ainda inacabada, el-rei de Portugal mandou-a arrasar, desistindo por então de impor o monopólio comercial; atitude prudente, até porque, adversários de Portugal na Guerra da Sucessão de Espanha (1703-1713), os Franceses saquearam durante ela a cidade da Ribeira Grande, na ilha de Santiago de Cabo Verde, a cidade do Rio de Janeiro e a ilha do Principe, e certamente lhes teria sido fácil tomar o forte que os Portugueses tivessem em Bissau. No povoado ficaram os mission6rios e os comerciantes, até que, meio século volvido, se iniciou a construção da majestosa fortaleza de S. José, com o poderoso amparo da Companhia do Grão-Pará e Maranhão.
Dos seis textos que agora se editam, o primeiro, de começos do século XVII, constitui a mais antiga descrição, com relativo desenvolvimento, da ilha e dos Papéis. Inédito até aqui, é capitulo da Etiópia Menor, do jesuita Manuel Álvares, que foi devotado missionário na Serra Leoa, onde morreu em 1617.
Quatro dos restantes textos dizem respeito à acção mission6ria, sendo dois da autoria de Fr. Vitoriano Portuense, bispo de Cabo Verde, e outro relacionado com a sua acção. Explica-se, assim, que o presente livro, como é expresso no seu titulo, esteja centrado na actividade desse not6vel mission6rio, que fez duas viagens à Guiné e interveio activamente nos acontecimentos que por então se desenrolaram em Bissau.
O primeiro desses textos é a carta em que o bispo dá conta a D. Pedro II da sua primeira viagem, em 1694. Foi publicada na sua maior parte pelo Pe. António Joaquim Dias Dinis, em 1937, e edita-se agora na totalidade.
Baseia-se nela em parte um opúsculo muito raro, saido em 1695, em que se descreve também o baptismo, em Lisboa, de um filho do rei de Bissau. Embora o publicássemos em periódico de Bissau em 1964 e 1965, novamente se edita agora, dada a sua grande relação com outros textos.
Pudemos localizar o relato da parte inicial da segunda viagem de Fr. Vitoriano Portuense à Guiné, contendo a descrição do baptismo, em vésperas de morrer, do rei de Bissau, Bacampolo-Có ou D. Pedro. Publica-se também agora pela primeira vez, julgando-se ser totalmente desconhecido antes, pois nem sequer o minucioso cronista da Provincia da Soledade, Fr. Francisco de Santiago, o cita ou utiliza.
Após estes quatro textos portugueses, editam-se mais um em francês e outro em espanhol. Aquele é um trecho, infelizmente truncado no começo, respeitante à ilha de Bissau e à viagem que lá fez em 1686-1687 o senhor de La Courbe; servimo-nos da edição de 1913 de Cultru. É um texto valioso, pela sua objectividade e pela soma de elementos que dá relativos à influência portuguesa.
La Courbe encontrou em Bissau três capuchinhos espanhóis, e fala-nos do manifesto contra a escravatura por eles feito. É este um assunto que tem andado envolvido em certa confusão, o que em parte se deve à deficiente maneira como o relato de La Courbe foi utilizado no conhecido livro de Labat sobre a África ocidental. Sabia-se que um exemplar do manifesto chegara a Roma, por via do núncio em Portugal, e que dele se ocupara a Propaganda Fide, e só apenas através das actas das sessões desta se tinha uma ideia do seu conteúdo. O texto que agora trazemos a lume é o do exemplar enviado ao rei de Portugal, e o seu conhecimento vem lançar muita luz na matéria. Talvez tal documento tenha contribuido para as viagens de Fr. Vitoriano Portuense à Guiné e para certas formas da sua actuação, nomeadamente no que se refere ao baptismo dos escravos.
Os seis textos são precedidos de um estudo, acompanhados de notas e seguidos de um apêndice documental em que se transcrevem várias fontes que muito contribuem para a sua melhor compreensão e para mais perfeito esclarecimento dos factos ocorridos então em Bissau.
(NOTA: o "apêndice documental" não está incluído na presente edição das Publicações Alfa, Biblioteca da Expansão Portuguesa, nº 48)
O nosso estudo destina-se sobretudo a apresentar tais textos e a facilitar a sua interpretação, e de modo algum pretende ser uma análise aprofundada dos acontecimentos da época, para o que lhe falecem muitos elementos, nomeadamente no campo económico.
Do conjunto desses textos, dos documentos finais e daquilo que escrevemos, ressaltam numerosos conflitos em vários campos: entre missionários espanhóis e missionários portugueses, entre portugueses e franceses, entre europeus e africanos, entre o bispo de Cabo Verde e o capitão-mor de Bissau, etc. Cremos haver aí bastante matéria para reflexão e para mais aprofundado estudo.
Apraz-nos ainda salientar que várias das fontes que transcrevemos ou utilizamos documentam o alto critério e notória prudência de vários pareceres do Conselho Ultramarino em questões abordadas neste livro, pelo que julgamos que este traz um modesto contributo para a história desse venerando órgão da administração do ultramar.
Em ilustrações fora do texto apresenta-se uma selecção de espécies cartográficas (de meados do século XVII a meados do século XVIII), que desde há muito vimos inventariando com vista ao estudo da história da cartografia de Bissau e zonas próximas.
A terminar, desejamos deixar bem expresso o nosso agradecimento às pessoas que, desta ou daquela maneira, nos auxiliaram no nosso trabalho: Dr. Lu(s de Albuquerque, por nos ter feito a transcrição de documentos na Biblioteca Nacional de Paris; Alexandre de Almeida e Comte. Silvano de Freitas Branco, por da Guiné nos haverem enviado vários elementos da tradição oral dos Papéis; Dr. Maria Francisca de Andrade, por nos haver auxiliado na transcrição de um dos textos; Dr. José Pereira da Costa, director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, pela ajuda na procura de um auto; Pe. António Joaquim Dias Dinis, por nos ter facultado a consulta do manuscrito da valiosa 2ª parte da Chronica da Provinda da Soledade, da autoria de Fr. Francisco de Santiago e propriedade dos Franciscanos portugueses; Fernando Galhano, pela execução de um desenho; Fernando Rogado Quintino, por ter corrigido alguns erros do texto, haver prestado várias informações sobre os Papéis e ter cedido algumas fotografias; Dra. Maria Emlia Madeira Santos, por ter procurado alguns documentos, enviando-nos as transcrições para Angola.
De igual modo registamos o nosso agradecimento à direcção das instituições a que pertencem os documentos que aqui são publicados: Archives Nationales de Paris, Arquivo Histórico Ultramarino, Biblioteca da Ajuda, Bibliotheque Nationale de Paris, Biblioteca da Universidade de Coimbra e Sociedade de Geografia de Lisboa.
Luanda, Novembro de 1970.
A. TEIXEIRA DA MOTA
NOTAS
I - DAMASCENO ISAC DA COSTA, Relatório do Serviço da Delegação da Junta de Saude na villa de Bissau respectivo ao anno de 1884, Lisboa, 1887,91 pp.; JOSÉ MENDO DA CUNHA SARAIVA, «A fortaleza de Bissau e a Companhia do Grão-Pará e Maranhão», in Congresso Comemorativo do V Centenário do Descobrimento da Guiné, Lisboa, I, 1946, pp. 157-191; DAMIÃO PERES, Planta da Praça de Bissau e Suas Adjacentes por Bernardino António Álvares de Andrade, Lisboa, 1952; Anuário da Guiné Portuguesa, Bissau, 1946, pp. 207-229 (pp. 357-409 na edição de 1948).
II - Ao menos no que respeita a genealogias e listas de reis. De um povo afim, os Manjacos de Caió, ainda foi possivel, há um quarto de século, recolher a relação dos reis: ARTUR MARTlNS DE MEIRELES, «Baiú (Gentes de Kaiú)>>, in Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, III, 11, Julho 1948, pp. 607-638.