domingo, agosto 21, 2005
Guiné-Bissau: aspectos da vida de um povo (8/15)
por Eva Kipp, 1994
DJAMBACÓS
Augusto é um djambacós na tabanca de Bocana, no sul da Guiné-Bissau. Esta tabanca é de etnia bijagó e foi formada por pessoas que saíram das ilhas há muito tempo atrás.
A casa de Augusto fica um pouco afastada das restantes e já à entrada da mata, onde se encontra o Irã. É nessa casa que ele recebe as pessoas que vêm solicitar os seus serviços, ficando mesmo algumas a residir lá durante o tempo que dura o tratamento.
Os métodos que Augusto utiliza são semelhantes aos utilizados por outros djambacós das outras etnias animistas, o que faz com que ele seja consultado por pessoas de diversas etnias. Chega mesmo a ser procurado por pessoas de origem europeia que pretendem os seus conselhos.
À esquerda: Augusto, djambacós de Bocana. À direita: Augusto "derrama" aguardente de cana nos objectos sagrados.
Paciente em casa de Augusto.
O djambacós Augusto realiza uma cerimónia nas traseiras da casa.
Ele tornou-se djambacós quase por um acaso. Inicialmente era o irmão dele o escolhido mas, tendo este assumido o compromisso de oferecer ao Irã seis búfalos como paga para se tomar djambacós e não tendo cumprido a promessa, caiu num poço e morreu. Foi assim que Augusto acabou por ir ocupar o lugar dele. A tradição diz que, nos tempos antigos, para alguém se tomar djambacós tinha de oferecer uma criança ao Irã do Mar e, caso este aceitasse a oferenda, transmitia o seu poder ao candidato.
Uma vez iniciada a aprendizagem só ao fim de vinte anos é que alguém se converte num djambacós capaz de curar todas as doenças.
Augusto diz que cura dores de barriga, de cabeça, ataques de epilepsia, esterilidade em mulheres e outras doenças. Para ele, estas doenças são causadas pelos feiticeiros e por isso ele associa certos rituais ao uso de plantas que recolhe no mato. No local onde realiza as cerimónias ele possui uma série de objectos com poderes especiais - um pau, uma concha e uma pedra. Também o sacrifício de animais e o sangue têm poderes especiais para curar.
Mulheres da tabanca de Bocana.
Mas, normalmente, o uso destas plantas é associado ao uso da concha, para as dores de cabeça ou da pedra para dores noutras partes do corpo e ainda ao sacrifício de uma galinha ou de um outro animal. As pessoas que procuram o djambacós trazem sempre, para oferecer aos Irãs, para além de animais, vinho. O tipo de animal, por exemplo, depende da gravidade do estado do doente, indo desde a galinha, para os casos simples, até aos porcos, para os mais graves. Antigamente até chegavam a trazer uma vaca para os casos de epilepsia, mas hoje as pessoas já não aceitam esse preço.
Os animais e o vinho constituem o pagamento do tratamento, pois são consumidos quase na totalidade. Só o vinho é que se utiliza numa pequena porção, atirada para o chão na oferenda ao Irã.
Mas, para além de tratar doenças, Augusto também faz «bota-sorte» (cartomancia) e dá conselhos sobre os problemas do dia a dia da vida.
As pessoas procuram-no para que ele lhes dê amuletos que as ajudem a conseguir o que pretendem atingir ou a evitar algum mal que as ameace.
À esquerda: meios de tratamento dos djambacós. À direita: Bucassa, djambacós de Caiomete.
Os pescadores pedem amuletos para não terem problemas no mar e os enamorados para conquistar o coração das pretendidas ou pretendidos.
Há mesmo casais desavindos que recorrem aos conselhos de Augusto para resolverem os seus problemas conjugais.
Augusto já sente hoje que, estando já velho, tem necessidade de transmitir o que sabe a alguém, para que esses conhecimentos não desapareçam com a sua morte. Para isso, escolheu um seu irmão, mais novo, para manter a tradição dentro da família e já começou a prepará-lo como sucessor.
Há muitos djambacôs na Guiné-Bissau e alguns até se especializam no tratamento de certo tipo de doenças.
É o caso de Bucassa, da etnia Manjaca, que se especializou no tratamento de problemas de ossos.
Quando um doente procura Bucassa este começa por fazer uma cerimônia para ver se o consegue curar ou não.
Para isso, mata uma galinha ou um galo e procura nas tripas do animal se existe ou não uma mancha escura. Caso haja mancha escura, Bucassa não pode curar o doente e aconselha-o então a recorrer ao hospital. Caso contrário, ele está apto a fazer o tratamento.
Tal como Augusto, Bucassa recorre a diversas plantas, raízes e folhas de algumas árvores, associando a isso certos rituais para obter o apoio do Irã para o sucesso do tratamento.
Normalmente, no caso de fractura, Bucassa coloca o membro fracturado no lugar, põe ervas e raízes na zona fracturada para combater a inflamação e coloca talas feitas de bambú atadas por uma ligadura. O tempo de cura depende da gravidade da fractura e da idade do doente. Ao longo da cura ele vai controlando a evolução, e se o doente continua a sentir dores ele sabe que o tratamento não ficou bem feito, tendo de desfazer ou corrigir o que ficou errado.
Bucassa mostra talas feitas de bambú.
Paciente em casa de Bucassa.
Para além dos casos de fracturas, Bucassa recebe pessoas com deformações ósseas de origem vária que ele consegue, em alguns casos, resolver.
Ele tratou uma criança de oito anos que não conseguia deslocar~se a não ser rastejando. O tratamento baseou~se em banhos de vapor, obtido na fervura de água com determinadas ervas, durante cerca de dois meses. Hoje, essa criança já anda com apoio de muletas.
Bucassa já tem conseguido resolver casos difíceis de pessoas nessas condições. Nesses casos ele utiliza ainda massagens, de forma a fazer fluir sangue aos membros que não se movem, pois considera que a falta de sangue é uma das razões do imobilismo.
Há doentes que chegam a passar anos nos tratamentos porque a recuperação é difícil. Nesses casos, os doentes moram em casa de Bucassa ou em casas próximas, tendo apenas que garantir a sua alimentação.
Quando um doente vem consultar Bucassa traz normalmente uma galinha e aguardente de cana e quando sai curado oferece arroz, animais e aguardente de cana. Mas, quando algum doente não tem recursos para isso, não lhe é recusado o tratamento, pois o Irã não iria gostar e castigaria Bucassa.
Ele divide sempre as ofertas pelos homens grandes da tabanca, para não desagradar ao Irã que não gostaria que ele consumisse tudo sozinho.
Bucassa é um djambacós famoso em toda a Guiné-Bissau pelo que tem feito no tratamento de problemas de ossos. Mas ele diz que, apesar dos conhecimentos que tem, deve tudo ao Irã e ao poder que este lhe deu e que sem a ajuda dele nada poderia fazer.
DJAMBACÓS
Augusto é um djambacós na tabanca de Bocana, no sul da Guiné-Bissau. Esta tabanca é de etnia bijagó e foi formada por pessoas que saíram das ilhas há muito tempo atrás.
A casa de Augusto fica um pouco afastada das restantes e já à entrada da mata, onde se encontra o Irã. É nessa casa que ele recebe as pessoas que vêm solicitar os seus serviços, ficando mesmo algumas a residir lá durante o tempo que dura o tratamento.
Os métodos que Augusto utiliza são semelhantes aos utilizados por outros djambacós das outras etnias animistas, o que faz com que ele seja consultado por pessoas de diversas etnias. Chega mesmo a ser procurado por pessoas de origem europeia que pretendem os seus conselhos.
À esquerda: Augusto, djambacós de Bocana. À direita: Augusto "derrama" aguardente de cana nos objectos sagrados.
Paciente em casa de Augusto.
O djambacós Augusto realiza uma cerimónia nas traseiras da casa.
Ele tornou-se djambacós quase por um acaso. Inicialmente era o irmão dele o escolhido mas, tendo este assumido o compromisso de oferecer ao Irã seis búfalos como paga para se tomar djambacós e não tendo cumprido a promessa, caiu num poço e morreu. Foi assim que Augusto acabou por ir ocupar o lugar dele. A tradição diz que, nos tempos antigos, para alguém se tomar djambacós tinha de oferecer uma criança ao Irã do Mar e, caso este aceitasse a oferenda, transmitia o seu poder ao candidato.
Uma vez iniciada a aprendizagem só ao fim de vinte anos é que alguém se converte num djambacós capaz de curar todas as doenças.
Augusto diz que cura dores de barriga, de cabeça, ataques de epilepsia, esterilidade em mulheres e outras doenças. Para ele, estas doenças são causadas pelos feiticeiros e por isso ele associa certos rituais ao uso de plantas que recolhe no mato. No local onde realiza as cerimónias ele possui uma série de objectos com poderes especiais - um pau, uma concha e uma pedra. Também o sacrifício de animais e o sangue têm poderes especiais para curar.
Mulheres da tabanca de Bocana.
Mas, normalmente, o uso destas plantas é associado ao uso da concha, para as dores de cabeça ou da pedra para dores noutras partes do corpo e ainda ao sacrifício de uma galinha ou de um outro animal. As pessoas que procuram o djambacós trazem sempre, para oferecer aos Irãs, para além de animais, vinho. O tipo de animal, por exemplo, depende da gravidade do estado do doente, indo desde a galinha, para os casos simples, até aos porcos, para os mais graves. Antigamente até chegavam a trazer uma vaca para os casos de epilepsia, mas hoje as pessoas já não aceitam esse preço.
Os animais e o vinho constituem o pagamento do tratamento, pois são consumidos quase na totalidade. Só o vinho é que se utiliza numa pequena porção, atirada para o chão na oferenda ao Irã.
Mas, para além de tratar doenças, Augusto também faz «bota-sorte» (cartomancia) e dá conselhos sobre os problemas do dia a dia da vida.
As pessoas procuram-no para que ele lhes dê amuletos que as ajudem a conseguir o que pretendem atingir ou a evitar algum mal que as ameace.
À esquerda: meios de tratamento dos djambacós. À direita: Bucassa, djambacós de Caiomete.
Os pescadores pedem amuletos para não terem problemas no mar e os enamorados para conquistar o coração das pretendidas ou pretendidos.
Há mesmo casais desavindos que recorrem aos conselhos de Augusto para resolverem os seus problemas conjugais.
Augusto já sente hoje que, estando já velho, tem necessidade de transmitir o que sabe a alguém, para que esses conhecimentos não desapareçam com a sua morte. Para isso, escolheu um seu irmão, mais novo, para manter a tradição dentro da família e já começou a prepará-lo como sucessor.
Há muitos djambacôs na Guiné-Bissau e alguns até se especializam no tratamento de certo tipo de doenças.
É o caso de Bucassa, da etnia Manjaca, que se especializou no tratamento de problemas de ossos.
Quando um doente procura Bucassa este começa por fazer uma cerimônia para ver se o consegue curar ou não.
Para isso, mata uma galinha ou um galo e procura nas tripas do animal se existe ou não uma mancha escura. Caso haja mancha escura, Bucassa não pode curar o doente e aconselha-o então a recorrer ao hospital. Caso contrário, ele está apto a fazer o tratamento.
Tal como Augusto, Bucassa recorre a diversas plantas, raízes e folhas de algumas árvores, associando a isso certos rituais para obter o apoio do Irã para o sucesso do tratamento.
Normalmente, no caso de fractura, Bucassa coloca o membro fracturado no lugar, põe ervas e raízes na zona fracturada para combater a inflamação e coloca talas feitas de bambú atadas por uma ligadura. O tempo de cura depende da gravidade da fractura e da idade do doente. Ao longo da cura ele vai controlando a evolução, e se o doente continua a sentir dores ele sabe que o tratamento não ficou bem feito, tendo de desfazer ou corrigir o que ficou errado.
Bucassa mostra talas feitas de bambú.
Paciente em casa de Bucassa.
Para além dos casos de fracturas, Bucassa recebe pessoas com deformações ósseas de origem vária que ele consegue, em alguns casos, resolver.
Ele tratou uma criança de oito anos que não conseguia deslocar~se a não ser rastejando. O tratamento baseou~se em banhos de vapor, obtido na fervura de água com determinadas ervas, durante cerca de dois meses. Hoje, essa criança já anda com apoio de muletas.
Bucassa já tem conseguido resolver casos difíceis de pessoas nessas condições. Nesses casos ele utiliza ainda massagens, de forma a fazer fluir sangue aos membros que não se movem, pois considera que a falta de sangue é uma das razões do imobilismo.
Há doentes que chegam a passar anos nos tratamentos porque a recuperação é difícil. Nesses casos, os doentes moram em casa de Bucassa ou em casas próximas, tendo apenas que garantir a sua alimentação.
Quando um doente vem consultar Bucassa traz normalmente uma galinha e aguardente de cana e quando sai curado oferece arroz, animais e aguardente de cana. Mas, quando algum doente não tem recursos para isso, não lhe é recusado o tratamento, pois o Irã não iria gostar e castigaria Bucassa.
Ele divide sempre as ofertas pelos homens grandes da tabanca, para não desagradar ao Irã que não gostaria que ele consumisse tudo sozinho.
Bucassa é um djambacós famoso em toda a Guiné-Bissau pelo que tem feito no tratamento de problemas de ossos. Mas ele diz que, apesar dos conhecimentos que tem, deve tudo ao Irã e ao poder que este lhe deu e que sem a ajuda dele nada poderia fazer.