sábado, agosto 20, 2005

Guiné-Bissau: aspectos da vida de um povo (10/15)

por Eva Kipp, 1994

O CANSARÉ DOS PAPÉIS

Entre as cerimónias mais importantes que a etnia papel realiza com os Irãs está o Cansaré, feito normalmente quando a ajuda a pedir aos espíritos é grande. Tal é o caso, por exemplo, do pedido de muita chuva antes do início de uma época de lavoura. O Cansaré está rodeado de um ambiente de grande secretismo. Só os «homens grandes» e o balobeiro (sacerdote) é que conhecem esses segredos e a sua divulgação é punida pelo Irã com castigos que vão até à morte do autor da mesma.


"Homem grande" na baloba do Cansaré. Perto dele está a maca do Cansaré.

São os «homens grandes» das tabancas quem decide sobre a realização do Cansaré em determinado momento e é o balobeiro quem diz se se pode ou não mandar buscar o Irã do Cansaré. Uma vez decidida a realização, eles escolhem um homem que se desloca à zona de Biombo, local em que existem os santuários mais sagrados dos Papéis, com o objectivo de ir buscar o Irã. Esse homem leva consigo a alimentação para os dias de viagem e não deve, enquanto esta durar, contactar ou informar ninguém sobre o objectivo da mesma.


Interpretando os movimentos do Cansaré.

Uma vez chegado ao santuário, recebe do balobeiro o Irã que, segundo alguns, assume a forma de um pó que só eles conhecem, regressando imediata mente à tabanca.

Uma vez chegado, coloca o Irã no santuário da tabanca e toca imediatamente o bombolom para alertar toda a gente sobre o acontecimento.

As pessoas começam a afluir ao local e dá-se então início à cerimónia através do sacrifício de uma vaca.

Durante vários dias e noites todos permanecem nesse local comendo, dançando e cantando e vários animais são sacrificados. O vinho, para as oferendas e o consumo, também não falta.

As regras da cerimônia são estritas e ninguém pode, durante esses dias, nem comer nem dormir em casa. Mesmo no caso de alguém morrer durante a cerimônia, o funeral é efectuado nesse local. O Irã de Cansaré é tido como muito forte e os seus castigos podem levar à morte. Como tal, os participantes, se por um lado pedem a sua ajuda, por outro receiam-no.


Cerimónia do Cansaré na tabanca de Bór.

Para as cerimónias a efectuar com o Irã este é colocado numa espécie de maca que é levada aos ombros. Existe uma para as cerimónias dos homens e outra para a das mulheres. São decoradas com panos brancos e vermelhos e com guizos. A maca dos homens é transportada aos ombros por estes e a das mulheres por raparigas solteiras. Elas deslocam-se movidas pelo desejo do Irã e é através desses movimentos que ele vai dando as respostas às perguntas que lhe são colocadas. Quando a maca avança, por exemplo, a resposta é afirmativa e quando ela recua é negativa. Por vezes a maca agita-se, avançando e recuando rapidamente, indo ao ar e batendo no chão. Isso significa que o Irã não gostou da pergunta e como tal não vai responder.


O Cansaré das mulheres.

Num círculo feito com colmo, fica o local das oferendas que podem ser de aguardente de cana ou dinheiro. A pessoa que foi buscar o Irã a Biombo, os «homens grandes» e o balobeiro passam a cerimónia sentados em frente do santuário, merecendo de todos o maior respeito. É também a eles que é destinada a melhor parte dos animais sacrificados.

Durante a cerimónia, as pessoas dirigem~se ao Cansaré fazendo perguntas e pedindo ajuda sobre as questões mais diversas relacionadas com a família, doenças, trabalho e outras. Por vezes, há um homem que interpreta as respostas do Irã transmitindo-as ao autor da pergunta, sendo essas respostas extremamente variadas e por vezes pertinentes. A um homem que perguntou ao Irã se algum dia iria conduzir um carro, o Irã terá respondido que sim mas que primeiro tinha de obter a carta de condução.

A parte principal da cerimónia acaba ao fim de poucos dias, mas o Irã permanece no local com alguns homens durante cerca de dois meses. Durante esse período, aos Domingos realizam~se ainda algumas cerimónias importantes.

Findo esse tempo, começam os trabalhos agrícolas e em toda a gente reina o optimismo, com a esperança que o Irã proporcionará um bom ano de chuva e, conse~ quentemente, um ano de fartura.



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