domingo, janeiro 30, 2005

O conflito de Casamansa (Jan 2005)

Origem do documento: www.guine-bissau.com, 29 Jan 2005
por ZEZINHA FERNANDO BIOMBO

O COMFLITO DE CASAMANSA
A População de Casamansa está profundamente marcada com o espectro da mais longa guerra de África que desenrola há 22 anos na floresta de baixa Casamansa e na fronteira com a Guiné-Bissau.

Qualquer estrangeiro atento que chega as aldeias da região de Casamansa e na própria cidade de Ziguinchor (capital de Casamansa), notará, visivelmente, na cara da população o espectro e a cultura do medo da guerra instaurados em Casamansa.

Na cara de milhares de mulheres e crianças espelham a dor dos maridos, dos pais e dos filhos que perderam a vida no campo da batalha no confronto entre os militares senegaleses e os guerrilheiros do Movimento das Forças Democráticas de Casamansa (MFDC).

Qualquer habitante das aldeias da linha da frente onde se desenrola o combate, sobretudo, nas aldeias da baixa Casamansa quando fala do combate entre os beligerantes é perceptível nas palavras saem da sua alma a dor e sofrimento de uma longa guerra africana esquecida ou ignorada pela comunidade internacional na fronteira entre a Guiné-Bissau e Senegal.

Como dizem nas populações das aldeias de Casamansa, a alma de milhares de pessoas que perderam a vida ao longo dos 22 anos de combates anda a solta na floresta de Casamansa, pis, não se pode fazer funeral de milhares das mortes que são enterradas em valas comuns. Por outro lado, ninguém tem coragem de chorar ou de fazer cerimónia de toca Tchorro (rituais tradicionais celebrados as mortes) de um irmão, de um pai ou de um filho que morreu no confronto com as tropas senegalesas.

Se os militares senegaleses descobrir que uma família tem um filho na fileira dos guerrilheiros do MFDC é considerado um criminoso cujos seus movimentos diários terão que ser vigiadas diariamente. Se tiver que sair da sua aldeia terá que pedir uma guia. Mas, se porventura depois da sua saída, os guerrilheiros atacaram o acampamento das tropas senegalesas a sua vida estará em risco. Pois, será acusada de ter informada os guerrilheiros do MFDC as posições das tropas senegalesas.

É a mesma história que poderá acontecer um refugiado que vive na Guiné-Bissau ou na Gâmbia que deslocar a sua aldeia natal ou a Ziguinchor para comprar produtos alimentação é também acusado de espionagem a favor dos guerrilheiros do MFDC.

Assim, qualquer viagem de um refugiado de Casamansa a sua aldeia natal para fazer cerimónia de rituais tem também consequências imprevisíveis. Pois, poderá perder a vida ou ser acusado de espionagem a favor dos rebeldes e condenado a prisão sem tenha feito na realidade a espionagem.

Perante este cenário, os refugiados de Casamansa têm medo de falar dos problemas das suas aldeias com quaisquer pessoas desconhecidas e as vezes fogem de jornalistas por entenderem que alguns dos homens da imprensa são agentes infiltradas da Segurança Militar de Estado de Senegal que percorrerem diariamente toda as aldeias e a linha da fronteira com a Guiné-Bissau.

No último semestre do ano transacto reinou na região de Casamansa uma certa acalmia no combate na floresta de baixa Casamansa e nas aldeias da linha de frente na fronteira com a Guiné-Bissau. Tudo deve-se a reorganização que estava a ser implementada nos operacionais militares do alto comando do MFDC com o afastamento de Salif Sadio e de Leopoldo Sanhá da chefia das operações dos rebeldes de Casamansa.

O afastamento de Salif Sadio e de Leopoldo Sanhá da chefia das operações militares permitiu ao MFDC agrupar as suas várias facções que existiam em duas facções: os fieis ao seu líder Abade Augustin Diamacoune Senghor (a maioria quase 80 por cento dos guerrilheiros armados) e os que continuam fieis a Salif Sadio (20 por cento dos guerrilheiros armados) que combatem na fronteira com a Gâmbia.

Não obstante, acalmia que reinou nos últimos seis meses, a população de Casamansa continua com medo de regressar as suas aldeias e dizem que não tem a esperança de um dia poder voltar a viver em paz nas aldeias que a viu a nascer nem a esperança de que a guerra que já dura há 22 anos terá fim.

A população de Casamansa não acredita que poderá haver uma paz efectiva em Casamansa que permita o desenvolvimento daquela região Sul do Senegal na fronteira com a Guiné-Bissau. Pois, estão convencidos de que ninguém, na comunidade internacional, está interessado a pôr fim o conflito armado em Casamansa.

Na realidade o governo de Senegal conseguiu abafar há 22 anos um conflito armado que causou milhares de vítimas e um número incalculável de refugiados na Guiné-Bissau e na Gâmbia: estima-se entre 50 a 60 mil refugiados de Casamansa que vivem nos dois países vizinhos de Senegal.

Para além de causar milhares de vítimas, a guerra devastou duas dezenas de aldeias em Casamansa. Mesmo assim, o governo de Senegal não aceitou a intervenção externa na procura da solução para a paz efectiva para o conflito armado da região Sul do país.

Sem intervenção da comunidade internacional, o governo de Senegal já assinou com MFDC seis acordos de paz. Todos nasceram com a letra morta e faleceram antes da sua implementação: Em 1992 foi assinado acordo de paz de Cacheu na Guiné-Bissau, 1999 e 2001 foi assinado acordos de Gâmbia, 2002, 2003 e 2004 foram assinados de paz de Ziguinchor.

Embora as ambas as partes tenham assinados todos estes seis acordos de paz, as 20 aldeias de Casamansa continuam desabitadas: Guidel, Bofa, Turakunda, Samlique, Late, Diabane, Nhadju, Bissine Diola, Bissine Banhune, Bilasse, Busolum, Sucuta, Bolom, Bututo, Semquere Marcunda, Senquere Diola, M´Pack, Pravay Banhune, Pravay Diola e Braf.

A maioria da população destas aldeias vive actualmente na Guiné-Bissau e na Gâmbia. Na Guiné-Bissau, as Nações Unidas promove a formação para os filhos dos refugiados de Casamansa em Djol e em São Domingos.

As jovens refugiadas, a partir dos 15 anos de idade aprendem a costura e recebem 15 mil Francos CFA durante o curso e os jovens aprendem a carpintaria em São Domingos. Depois da formação ficarão com materiais com as quais irão iniciar, no fim do curso, a sua actividade profissional. Só depois de iniciarem as suas actividades profissionais que mortizarão os custos de materiais que receberam durante a formação.

As Nações Unidas ofereceram também ás mulheres refugiadas 50 mil Francos CFA para implantarem, durante dez meses, pequenos comércios na Guiné-Bissau.

Contudo, os refugiados de Casamansa queixam-se de que são obrigados a pôr os seus filhos a estudar a língua portuguesa na Guiné-Bissau, perdendo assim a cultura e raiz histórica do Senegal.

Queixam-se igualmente de falta de assistência médica e de não poderem exercer os seus direitos cívicos no Senegal nem receber o apoio do seu governo. São apoiados apenas pela população das Tabancas da Guiné-Bissau.

Assim sendo, consideram que vivem na fronteira de “mal amados” onde estão a criar as condições e hábitos que tornarão difícil o seu regresso se um dia houver a paz efectiva em Casamansa.

A maioria dos refugiados de Casamansa que vive na Guiné-Bissau não desloca a Ziguinchor para não ser acusado de espionagem a favor do MFDC.

É nesta perspectiva que se tornou difícil o regresso dos refugiados as suas aldeias em Casamansa, não obstante 250 voluntários do governo estão a construir casas e preparar o seu regresso a Senegal.

Foi também neste cenário atribulado de espectro da guerra e da cultura de medo que o governo de Senegal assinou no dia 30 de Dezembro do ano transacto, em Ziguinchor, o sexto acordo geral de paz para pôr fim um conflito armado que há 22 anos ceifou as vidas de milhares da população de em Casamansa.

No documento de 15 páginas rubricado pelo líder do MFDC Abade Augustin Diamacoune Senghor e o Ministro do Interior de Senegal Ousmane Ngom, os rebeldes de Casamansa comprometeram a renunciar definitivamente a luta armada e violência, acantonar as suas Forças Armadas que serão posteriormente desmobilizadas, integrando uma parte nas Forças para Militares de Senegal: Policias e Bombeiros.

O governo, por seu lado, comprometeu a libertar todos os guerrilheiros do MFDC detidos em Ziguinchor e Dacar e provar na Assembleia senegalesa amnistia para todos rebeldes que combatem na floresta de baixa Casamansa e na fronteira com a Guiné-Bissau.

Ambas as partes comprometeram criar uma comissão de observadores de paz constituído por militares, governo e ex-guerrilheiros do MFDC para observar a implementação no terreno do acordo geral de paz em Casamansa e recuperar as armas das mãos dos rebeldes desmobilizados.

Criar também uma Agência para o Desenvolvimento de Casamansa que, para além de micro-projectos para a recuperação e desenvolvimento da região, apoiará também a inserção na sociedade dos combatentes desmobilizados, vitimas e mutilados de guerras.

O acordo geral de paz permitirá orientar, no futuro, o desenvolvimento da região de Casamansa. Pois, a comunidade internacional já disponibilizou ao governo de Senegal 80 bilhões de Francos CFA para o desenvolvimento do Casamansa e o próprio governo, por seu lado, já disponibilizou 500 milhões de Francos CFA para a construção do novo Aeroporto de Casamansa na cidade de Bingonna.

Mesmo assinado, o acordo geral de paz para Casamansa, o governo de Senegal não tirou ainda as suas tropas das posições que ocupavam na linha de frente nem os guerrilheiros do MFDC desmobilizaram das posições que conquistaram nas aldeias da região. O que demostra que não basta assinar o acordo geral de paz, mas há ainda muito trabalho que deverá ser feito pelas ambas as partes para a sua efectivação. Pois, os operacionais militares do alto comando do MFDC ainda desconfiam das intenções do governo de Dacar.

O discurso do Presidente de Senegal Abdoulaye Wade depois do acto da assinatura do acordo geral de paz, em Zigiunchor, é considerado pelos operacionais militares do alto comando do MFDC como uma declaração da continuidade da guerra em Casamansa.

Na altura Abdoulaye Wade afirmara, na sua intervenção, que continuará uma cruzada sem tréguas contra os assassinos da paz em Casamansa.

Os rebeldes do MFDC consideram, no entanto, que este tipo de discurso de ameaça não é a linguagem de quem quer a paz efectiva em Casamansa e muito menos de um presidente como Abdoulaye Wade que pretende governar um país une e indivisível. Por isso, rejeitaram todos os documentos de acordo geral de paz assinado na sede do governo regional de Casamansa no dia 30 de Dezembro do ano transacto na presença de dez mil pessoas vindas de todas as cidades da região e de Dacar.



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