sábado, setembro 25, 2004

Situação crítica

Origem do documento: Avante, 18 Jun 1998

A situação na Guiné-Bissau continua crítica. Cem mil pessoas refugiaram-se no interior ou fugiram para os países vizinhos, enquanto os revoltosos e as forças do exército leais ao Presidente «Nino» Vieira - apoiadas por 400 soldados da Guiné-Conacri e 1300 do Senegal - prosseguem os combates na capital.

Cerca de duas mil pessoas saíram do país a bordo do navio português «Ponta de Sagres», chegando a Dacar na sexta-feira à noite. A bordo viajaram muitos portugueses, mas também cidadãos de outras nacionalidades.
A água e a comida escasseiam, e as associações humanitárias chamam a atenção para o perigo de se espalhar uma epidemia de cólera ou de se agravar a situação da malária.
Bissau está irreconhecível, com muitas casas destruídas, soldados em quase todas as artérias e, segundo o bispo Settimio Ferrazetta, «centenas de mortos espalhados pelas ruas». As embaixadas da França, dos Estados Unidos, da Rússia e o edifício da representação da União Europeia foram também atingidos.

Aparentemente, o cenário político não será alterado a curto prazo. Os revoltosos liderados pelo brigadeiro Ansumane Mané afirmaram na televisão, na segunda-feira, que «caso não haja negociações vamos continuar». «Temos tropas por todo o país: temos mísseis terra-ar, temos canos especiais de anti-aérea, temos mísseis do tipo Stinger prontos a abater qualquer avião», anunciou o porta-voz do grupo.
Apesar desta atitude ofensiva, o major Melcíades Gomes Fernandes declarou que «nunca pretendemos mandar neste país. Nem ser directores-gerais, quanto mais ministros!». Nas suas palavras, «não se trata de um golpe de Estado», mas de uma acção que procura «restabelecer a justiça no país e garantir eleições livres».

No sábado, as instalações militares de Brá, onde os revoltosos se concentraram, foram tomadas pelos soldados de Bissau, de Conacri e de Dacar. As forças de Mané deslocaram-se para outras instalações do exército próximas daquele local. Fontes oficiais anunciaram a acção como uma importante vitória, mas poucas foram as alterações consequentes.

Os objectivos dos revoltosos

Os soldados rebelaram-se no domingo, um dia depois de o seu líder, o chefe do Estado Maior-General das Forças Armadas Ansumane Mané, ter sido demitido do seu cargo, devido ao seu alegado envolvimento num caso de tráfico de armas para Casamança. Segundo os revoltosos, o próprio Presidente teria sido o «mentor» do polémico caso, pelo que defendem que «devia comparecer» perante a justiça.
Num comunicado manuscrito enviado ao delegado da agência Lusa na Guiné, no dia 9, a Junta Militar revoltosa apresenta como principais objectivos a demissão do Governo e do Presidente «Nino» Vieira e a realização de eleições «livres e transparentes» em Julho próximo.
«Não somos ambiciosos e nem estamos interessados em assaltar o poder, porque somos militares e, como tal, o nosso lugar é o quartel», lê-se no documento, onde acrescentam que «as forças que se encontram sob o poder do Governo não são suficientes para fazer face às forças de que dispomos. Podíamos há muito lançar uma ofensiva generalizada, mas não queremos atingir a nossa população inocente».

Comunidade internacional condena rebeldes

A comunidade internacional não hesitou em condenar o levantamento rebelde guineense e aceitou sem comentários a ingerência de tropas estrangeiras no conflito. As forças da Guiné-Conacri e do Senegal continuam no país, apoiando «Nino» Vieira. Este facto foi comentado por Albano Nunes, membro do Comité Central e do Secretariado do PCP, na quinta-feira passada. Em nome dos comunistas portugueses, Albano Nunes congratulou-se com a retirada dos portugueses da Guiné, mas manifestou preocupação em relação às ingerências estrangeiras no conflito.

O Presidente português Jorge Sampaio enviou uma mensagem ao seu homólogo guineense, manifestando-lhe a sua «solidariedade» e «preocupação». «Faço sinceros votos para que o rápido e indispensável restabelecimento da legalidade constitucional e democrática se possa lograr com os mens custos humanos e materiais», acrescenta.
Por seu lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, apelou à rápida conclusão da questão «para que a Guiné-Bissau normalize a sua vida política, como país democrático, no respeito pelos Direitos do Homem, prosseguindo a experiência que o Presidente «Nino» Vieira iniciou há alguns anos».
A União Europeia condenou «a tentativa de golpe militar» e pediu o «rápido restabelecimento da ordem constitucional e da segurança», numa posição adoptada durante uma reunião do Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros dos Quinze.
A OUA condenou «com firmeza» as acções do grupo chefiado por Mané e «expressa a sua solidariedade ao Presidente, ao Governo e ao povo da Guiné-Bissau».
O primeiro-ministro cabo-verdeano, Carlos Veiga, classificou a situação como «extremamente grave» e afirmou tratar-se «de uma tentativa de alterar a ordem constitucionalmente estabelecida por meios violentos, portanto nós repudiamos e rejeitamos em qualquer circunstância uma tal tentativa».
O presidente moçambicano também partilha esta opinião. «O que se passa é mau. Toda a África já tinha chegado a consenso de que todas as mudanças que tenham que ocorrer devem ser de forma democrática, todos os problemas que existem devem ser resolvidos pela via do diálogo», afirmou Joaquim Chissano.
Para o presidente de São Tomé, Miguel Trovoada, «não será pela via das armas que os nossos países podem resolver os seus problemas».



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