quinta-feira, setembro 16, 2004

Portuguesas estudam os chimpanzés

Origem do documento: neptuno.uevora
Por Teresa Firmino, 14 de Outubro de 2003

Daqui a duas semanas, as investigadoras Catarina Casanova e Cláudia Sousa
estarão de malas aviadas para a Guiné-Bissau. Vão ver chimpanzés. Mas a
antropóloga Catarina Casanova, de 34 anos, do Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), e a bióloga Cláudia Sousa, de 28
anos, da Universidade Nova de Lisboa, têm um projecto mais ambicioso do
que umas quantas saídas de campo para observar chimpanzés no habitat
natural. Querem criar uma estação biológica para estudos e conservação, a
longo prazo, dos chimpanzés da Guiné-Bissau, em risco de extinção.

As investigadoras - que organizam a I Conferência Internacional de
Primatologia em Portugal, que decorrerá até sábado no ISCSP, em Lisboa -
vão também aprofundar os contactos com várias entidades governamentais da
Guiné-Bissau e com a população local, para puderem levar a cabo o seu
projecto.

Cláudia Sousa já lá foi no ano passado e já se estabeleceram contactos com
o Ministério da Agricultura, a Direcção-Geral das Florestas e da Caça e a
Direcção-Geral do Ambiente. Também já pediram fundos à Administração
norte-americana, através do Fish and Wildlife Service, que apoia projectos
de conservação da natureza. Em Portugal, vão solicitar verbas à Fundação
para a Ciência e a Tecnologia.

Por estarem em risco de extinção, a comunidade científica considera
urgente o estudo dos chimpanzés da Guiné-Bissau, da subespécie "Pan
troglodytes verus", até porque não se sabe ao certo quantos indivíduos há.
Daí que a Conservation Internacional, com sede nos EUA, tenha incluído a
Guiné-Bissau nas áreas a estudar com urgência, conta Catarina Casanova.

O risco de extinção não advém da caça de chimpanzés para consumo humano,
como sucede noutros países, mas da destruição da floresta para fins
agrícolas ou para obter madeira. Por isso, além da ciência, as
investigadoras querem ajudar os habitantes a viver da floresta, ao mesmo
tempo que a protegem.

Uma das áreas mais afectadas é a floresta de Cantanhez, junto ao mar, e é
por aí que as investigadoras querem começar a protecção dos chimpanzés. A
floresta está muito fragmentada, diz Cláudia Sousa. Depois, pretendem
estender essa protecção ao resto das regiões onde há chimpanzés: ao Parque
Natural das Lagoas de Cufada e à zona de Boé, está já encostada à
Guiné-Conacri.

Se não se estudarem, os chimpanzés da Guiné-Bissau, na África oriental,
podem desaparecer sem se ter conhecido a sua cultura, que pode ser
diferente da dos chimpanzés do Uganda ou da Tanzânia, na África oriental.
"É provável que haja diferenças culturais e é preciso conhecê-las
depressa", refere Catarina Casanova.

Para já, sabe-se que têm um costume diferente de outros chimpanzés: dormem
em cima das palmeiras. "Isso não é visto em mais sítio nenhum. Não sabemos
a razão, mas pode ser por falta de vegetação", diz Catarina Casanova.
Geralmente, os chimpanzés dormem no chão, em ninhos feitos com folhas e
ramos.

Desde os anos 60, os estudos mostraram existir uma verdadeira cultura
entre os chimpanzés, transmitida de geração em geração. Alguns usam
instrumentos ou gesticulam de uma maneira que outros, a poucos quilómetros
de distância, ignoram por completo. Como muitas dessas variações não podem
atribuir-se a diferenças ecológicas ou geográficas, a variação cultural é
a única explicação para comportamentos como certas maneiras de capturar
formigas e abelhas ou quebrar nozes. Populações que vivem em locais
afastados apresentam diferenças notáveis nessas práticas, tal como
acontece nas sociedades humanas.

Às cientistas portuguesas não faltam exemplos de estações biológicas para
estudos a longo prazo. A de Gombe, que a primatóloga Jane Goodall criou na
Tanzânia, já tem quase 40 anos. Também na Tanzânia, no Parque Nacional das
Montanhas Mahale, cientistas japoneses estabeleceram uma estação biológica
no final dos anos 70. A floresta de Taï, na Costa do Marfim, é outro dos
locais onde se observam primatas há mais de 30 anos. Dian Fossey também
criou, no final dos anos 60, o Centro de Investigação de Karisoke, no
Ruada - mas desde o fim da década de 80, já depois da sua morte,
investigação aí feita é intermitente, devido à situação política
conturbada.

A ideia é escolherem-se dois locais para a estação da Guiné-Bissau, refere
Cláudia Sousa. Num ficará uma base mais científica, para estudos de
comportamento e interacção entre os chimpanzés. No outro, as
investigadoras querem estabelecer uma base virada para o ecoturismo,
seguindo o exemplo do Ruanda, onde se paga para ver gorilas. O dinheiro
destinar-se-á a beneficiar a população local.



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