terça-feira, setembro 21, 2004

O primeiro bispo de Bafatá

Origem do documento: Missionários do Espírito Santo, 09 Fev 2000

Entrevista com D. Carlos Zilli, novo Bispo de Bafatá – Guiné-Bissau, conduzida por Manuel Paula para a revista "Encontro".

Dom Pedro Carlos Zilli, do Pontifício Instituto das Missões Exteriores – PIME, é o primeiro bispo da Diocese de Bafatá. Nasceu no dia 7 de Outubro de 1954, em Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, no Brasil. Foi ordenado sacerdote no dia 5 de Janeiro de 1985, em Ibiporã, arquidiocese de Londrina, PR. No mesmo ano partiu para a Guiné-Bissau, onde foi vigário paroquial nas missões de Bafatá e Suzana, e também Superior Regional do PIME.
Voltou ao Brasil em 1998, tendo trabalhado na formação dos futuros missionários do Instituto em Brusque, SC, até à publicação da sua nomeação no dia 30 de Março de 2001.
Dom Pedro Carlos Zilli é o primeiro bispo brasileiro missionário além-fronteiras.

Encontro: - Qual o sentimento no regresso à Guiné, agora como Bispo de uma nova Diocese?

D. Carlos Zilli: - Estou experimentando o sentimento de quem retorna para casa, para uma ambiente familiar, onde muitos rostos, nomes, situações são familiares para mim. Sinto-me como quem deve continuar um trabalho iniciado por tantos missionários, tantos catequistas, tantas pessoas de boa vontade. Chego para uma Igreja onde tantas pessoas já deram suas vidas por ela e muitas outras continuam dando-lhe do melhor de si, sacrificando anos da própria existência em favor desta mesma Igreja, de todo um povo. A estas pessoas, sou infinitamente grato.

Por outro lado, tenho muito presente dentro de mim que estamos iniciando uma nova Diocese e isto permite-me dizer que devemos intensificar a nossa presença, devemos incrementar ainda mais o nosso empenhamento. Talvez não seja por acaso que a Diocese de Bafatá comece a existir exactamente no ano 2001, no inicio de um novo milénio. E o papa João Paulo II, carta apostólica Novo Millennio Ineunte tem palavras muito fortalecedoras a este respeito: “o mandato missionário introduz-nos no terceiro milénio, convidando-nos a ter o mesmo entusiasmo dos cristãos da primeira hora; podemos contar com a força do mesmo Espírito que foi derramado no Pentecostes e nos impele hoje a partir de novo sustentados pela esperança que ‘não nos deixa confundidos’ — Rom 5,5 (Novo Milennio Ineunte 58). Que todos, na Diocese de Bafatá, comecemos com aquele mesmo entusiasmo da primeira hora.

Encontro: - E, já agora, pode apresentar-nos a sua Diocese?

D. Carlos Zilli: - Uns dados estatísticos poderão dar-nos uma ideia daquilo que é a Diocese de Bafatá hoje: a sua superfície é de 24.635 km2, com uma população de 490.000 habitantes. Os cristãos seriam 31.000. As paróquias são 08, os sacerdotes diocesanos 06, padres religiosos 03, irmãos religiosos 01, religiosas 24, seminaristas maiores 03.

A proporção de muçulmanos e de povos da religião tradicional africana é muito grande.

Encontro: - Que mais valias pode trazer à Igreja Católica guineense a Diocese de Bafatá?

D. Carlos Zilli: - O facto de estarmos iniciando na Guiné Bissau uma nova Diocese será um estímulo a um maior empenho não somente para Bafatá, mas para toda a Igreja da Guiné Bissau que se sentirá chamada a renovar-se, a avaliar o seu grau de maturidade, a lançar-se ainda mais no trabalho, procurando ser sempre fiel ao seu Senhor. As escolhas propostas para Bafatá influenciarão na criação de uma nova mentalidade não somente para Bafatá, mas para toda a Guiné Bissau. Numa palavra, tenho plena convicção de que a Diocese de Bafatá poderá oferecer muito da sua juventude a toda Igreja guineense.

Além disso, o facto de sermos dois bispos, poderá ser ocasião de uma maior colaboração e de maior compreensão de tudo aquilo que o Espírito do Senhor nos sugerir.

Encontro: - As carências da Diocese são enormes. Quais as mais prementes?

D. Carlos Zilli: - Pelas estatísticas acima dá para notar claramente que uma das carências é mesmo aquela da falta de sacerdotes. Precisamos de mais sacerdotes.

Trata-se de uma Diocese muito carente naquilo que se refere à economia. Somos ainda carentes no empenhamento dos cristãos, ainda que de modo mínimo, na preocupação pela manutenção das estruturas internas da Igreja. Os cristãos ainda não compreenderam bem a importância que eles têm na política, no campo social.

Temos necessidade de famílias que assumam seriamente o sacramento do matrimonio, vivendo-o como um dom Deus, vivendo com alegria os sacrifícios que este sacramento exige. Os jovens andam sem perspectivas, sem ao menos com direito de sonhar com um futuro mais promissor e temos que motivar-lhes na busca de caminhos melhores para eles mesmos.

Os catequistas deveriam assumir mais e com mais entusiasmo a própria vocação, descobrindo sempre mais e melhor sua missão na Igreja.

Encontro: - As esperanças, certamente também são enormes. Quer partilhá-las com os leitores?

D. Carlos Zilli: - A minha esperança é que os já cristãos aceitem sempre mais a Cristo em suas vidas, que se deixem guiar por Ele. Que muitas outras pessoas possam pedir o “Caminho” (Actos 9,2; 24,14.22), peçam para ser cristãs. Quando Cristo entra a fazer parte da vida de uma pessoa, tudo se transforma: tal pessoa, a cultura, a sociedade são purificadas e o cristianismo fica enriquecido no contacto com a outra pessoa, outra cultura, outra sociedade.

Sem dúvida, o trabalho com os jovens deverá ocupar muitas de nossas forças. E nisso, o Papa João Paulo II nos dá um grande exemplo: ele acredita nos jovens. Ele quer que eles sejam “sal da terra e luz do mundo”, como nos sugere o tema escolhido para a jornada mundial da juventude a ser realizada em Toronto, no próximo ano.

Eu espero na possibilidade de um diálogo respeitoso com as outras religiões. É possível que as religiões trabalhem juntas para o bem das pessoas, da sociedade e da maior glória de Deus.

Creio na importância do trabalho: o trabalho dignifica a pessoa, a sociedade, a vida. Acredito que os cristãos, tocados por Deus, possam trabalhar em favor dos outros.

O caminho a ser feito é grande no sentido de que surjam novas comunidades cristãs, novas vocações ao sacerdócio, à vida religiosa, famílias verdadeiramente cristãs, mais catequistas, escolas, centros de formação profissional, formação agrícola, de promoção social e humana, a busca do diálogo com as religiões.

Encontro: - No contexto político e social do pais, que mais poderão fazer as Igrejas e os líderes de outras religiões pelo povo e pelo retorno definitivo de estabilidade e do desenvolvimento?

D. Carlos Zilli: - Penso que só a paz pode permitir a existência da estabilidade, do desenvolvimento. Mas para que haja paz, faz-se necessária a justiça. E o que diz o profeta Isaías: “E o fruto da justiça será a paz! A prática da justiça resultará em tranquilidade e segurança duradouras” (32,17). Graças a Deus, esta sensibilidade já começa a existir nos cristãos guineenses. De facto, no encontro diocesano, de 4 a 8 de junho de 2001, da então única diocese de Bissau, foi dito “que deve ser feita a justiça na Guiné Bissau para se encontrar uma verdadeira paz e reconciliação. O perdão nunca pode significar impunidade”. E ainda “que uma das pré - condições para se alcançar a paz e a reconciliação, é que o guineense deve em primeiro lugar se lembrar dos seus deveres, antes de reclamar os seus direitos”.

E preciso que todos, a começar pelos governantes, pensemos no outro, não somente em nós mesmo, pensemos no bem comum de todo um povo.

Encontro: - Em Portugal, a Guiné goza de imensa simpatia entre as ONG’s e voluntários universitários que vêm trabalhar cá nas férias. Como vê este tipo de colaboração, especialmente no campo da educação e que conselhos/sugestões lhes daria?

D. Carlos Zilli: - A minha intenção é aquela de colaborar com todas as organizações, todas as pessoas de boa vontade em tudo aquilo que resultar em bem para o povo guineense. A Guiné Bissau precisa da parceria com as instituições internacionais e as ONGs são um grande parceiro na busca do desenvolvimento, de melhores condições de vida para o povo deste país. Os conselhos ou sugestões, não os daria somente às ONG’s, mas a todos os que pensam em projectar algo na Guiné. Aquilo que direi parece ser já uma conquista, uma mentalidade já adquirida por muitos: que se projecte em diálogo, em parceria com quem é do terreno, está no terreno e o conhece. Naturalmente, deve ser algo verdadeiramente necessário. E depois, os projectos não deveriam ser demasiadamente grandes, demasiadamente dispendiosos, o que resultaria difícil de ser levado à frente e talvez nunca viesse a ser autónomo.



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