sexta-feira, setembro 24, 2004
O novo Primeiro Ministro
Origem do documento: "Público", 10 Mai 2004
por Ana Dias Cordeiro
Entrevista a Carlos Gomes Júnior, o novo primeiro-ministro
Carlos Gomes Júnior, 54 anos, líder do partido vencedor das legislativas de Março, é o novo primeiro-ministro que hoje deverá tomar posse na Guiné-Bissau.
Iniciou o seu percurso político em 1994, quando foi eleito deputado nas primeiras eleições no país. Também conhecido por "Cadogo", Carlos Gomes Júnior foi vice-presidente da Assembleia e vice-presidente do Comité inter-parlamentar da União Económica dos Estados da África Ocidental (UEMOA).
Desde que foi eleito presidente do PAIGC, em Fevereiro de 2002, Gomes Júnior renunciou aos destacados cargos da sua carreira de empresário, como o de fundador e membro da direcção do Banco da África Ocidenta (BAO), ou da Petromar e Petrogás Limitada, entre outros.
Numa entrevista telefónica, o novo primeiro-ministro guineense disse querer recuperar a credibilidade perdida do país nos quatro anos de governação do Partido da Renovação Social (PRS) de Kumba Ialá. Excluiu a hipótese de um inquérito à morte de Ansumane Mané (líder da ex-Junta Militar que depôs Nino Vieira), e morto em Novembro de 2000.
Sobre um possível regresso de Nino Vieira ao país, Carlos Gomes disse que o ex-Presidente não é a pessoa indicada para promover a paz na Guiné-Bissau. O novo chefe do Governo colocou estes dois assuntos por conta de "um passado conturbado e tenebroso" que quer ver esquecido e deixou um apelo aos amigos do seu país para "que continuem a acreditar na Guiné-Bissau".
PÚBLICO - Qual a prioridade do seu Governo?
Carlos Gomes Júnior - A nossa prioridade é o saneamento das finanças públicas. A situação financeira do país é caótica e há que implementar acções imediatas e urgentes para dar ao país nova credibilidade e uma nova imagem junto dos parceiros de desenvolvimento. Esta é a prioridade das prioridades, porque sem saneamento das finanças públicas, é completamente impossível fazer qualquer tipo de acção.
P - Quando será anunciada a equipa governamental?
R - A equipa já está formada. Aguardamos as formalidades burocráticas inerentes a esta situação. Pensamos que conforme o programa anunciado, o Governo tomará posse na quarta-feira. Os acordos parlamentares com o PRS e a UE [União Eleitoral] já estão prontos. O PAIGC governará sozinho.
P - Chegou a colocar-se a hipótese de um Governo de unidade em nome do interesse nacional.
R - Essa hipótese ficou posta de lado. O PAIGC tem quadros suficientes para formar Governo. Era nossa intenção abrirmos as portas aos outros partidos políticos, mas dadas as dificuldades encontradas na negociação, que aliás fracassou com o PUSD [Partido Unido Social Democrata, de Fadul], as exigências colocadas inviabilizaram qualquer tentativa de acordo. Nessa base, tivemos de assumir a responsabilidade da governação como partido vencedor. Mas abrindo sempre a possibilidade de nalguns casos de gestão administrativa, e mesmo no Parlamento, cedermos alguns lugares aos partidos com os quais continuámos a negociar.
P - Seria impossível o PRS fazer parte do Executivo?
R - Foi um dado adquirido. Negociámos com eles alguns cargos no Parlamento.
P - Logo a seguir às eleições, o PRS começou por recusar os resultados. Qual foi a contrapartida dada para o PRS aceitar a vitória do PAIGC?
R - Qualquer partido tem direito a fazer a sua reclamação. Deixámos que eles utilizassem os mecanismos que a lei lhes conferia. Depois acabou por se ver que os resultados, tal como os observadores internacionais tinham anunciado, correspondiam a eleições justas e transparentes. Não quisemos forçar nada. Demos tempo para que a razão prevalecesse. E eles [PRS] acabaram por aceitar os resultados e iniciámos negociações.
P - Mas houve ou não contrapartidas a militares próximos do PRS e a membros do partido?
R - O PRS conhece bem o PAIGC e sabe qual a postura dos seus dirigentes. Não é a primeira vez que negociamos. A confiança de parte a parte facilitou as negociações.
P - Chegou a dizer-se que o PRS, para reconhecer os resultados, tinha exigido questões muito concretas, como garantias de imunidades às chefias militares e a membros do PRS, concretamente ao primeiro-ministro do Governo de transição [que agora termina], Artur Sanhá, sob investigação num caso de homicídio.
R - Na Guiné-Bissau, está consagrada a separação clara dos poderes. Portanto, não fazia sentido que partidos políticos estivessem a negociar este tipo de situações do foro jurídico. Nós fizemos simplesmente um acordo parlamentar com o PRS que contempla os vários pontos que, mais tarde, daremos a conhecer quando [o acordo] for assinado.
P - Vão criar-se condições para a abertura de um inquérito à morte de Ansumane Mané?
R - Essas são questões de um passado conturbado e tenebroso. Queremos que a Guiné reencontre os seus valores. A aposta do PAIGC é lançar o país para a via do desenvolvimento e fazer uma verdadeira reconciliação nacional dos guineenses. Essa opção passa por pôr uma pedra sobre várias situações que têm sido expostas, que nós gostaríamos de considerar como passadas.
P - Como vai gerir as tensões nas Forças Armadas, e o eventual regresso de oficiais próximos do general Nino Vieira e do brigadeiro Ansumane Mané, afastados em momentos de ruptura ou conflito dos últimos anos?
R - As Forças Armadas são uma força apartidária. Temos umas Forças Armadas republicanas, cujas leis foram aprovadas no Parlamento. As regras cingem-se basicamente ao cumprimento da lei, sob a direcção superior das Forças Armadas que é o Estado-Maior General das Forças Armadas.
P - Estão reunidas as condições para o regresso dos oficiais afastados?
R - Portugal também teve essa situação conturbada com o 25 de Abril. E os chefes militares arranjaram soluções. Na Guiné-Bissau os chefes militares também têm uma ideia concreta do que querem. A reconciliação das Forças Armadas é um processo que está em andamento. Eles conhecem-se uns aos outros, certamente arranjarão um amplo consenso para a pacificação do país.
P - Uma das outras prioridades do seu Governo é aprovar a Constituição?
R - Naturalmente. Em 1999, no Parlamento, fomos nós [PAIGC] que promovemos os trabalhos da revisão constitucional. É um documento que foi devidamente trabalhado, amplamente discutido, e aprovado pela maioria, mas não foi promulgado pelo ex-Presidente Kumba Ialá. Num Estado de direito, a Constituição tem que estar em vigor. Essa deve ser uma das primeiras medidas do Parlamento. Tem que se aprovar novamente a Constituição, porque os prazos foram todos ultrapassados. Mas em princípio, será nos termos em que o documento está.
P - Mas poderá ser promulgada pelo actual Presidente interino?
R - O Presidente [Henrique Rosa] não tem poderes para promulgá-la. Têm que se aguardar as eleições presidenciais [daqui a um ano] para depois ser promulgada por um Presidente eleito.
P - Agora que o PAIGC regressou ao poder, o ex-Presidente Nino Vieira vai voltar à Guiné-Bissau?
R - A nossa prioridade é repor as instituições a funcionar, dentro da via da democracia. Quanto a outras situações, achamos que pertencem ao passado, e nós queremos pôr uma pedra no passado. Todo o ser humano tem projectos. O que é fundamental é ver a razoabilidade do projecto. Só ele [Nino Vieira] poderá responder a essa questão, e não o PAIGC.
P - Confirma que manteve consultas com Nino Vieira, quando esteve em Portugal, há cerca de três semanas, para negociar as contrapartidas que permitissem alcançar um acordo com o PRS?
R - Não tenho nada para negociar com o general Nino Vieira, nem em termos pessoais nem institucionais. A estabilidade da Guiné-Bissau não passa pelo general Nino Vieira, passa pelos filhos da Guiné-Bissau que querem a estabilidade e a paz para o país, e não pelo ex-Presidente que não é a pessoa indicada para promover a paz no país. A direcção que saiu do último Congresso [de Fevereiro de 2002] é quem é responsável pela gestão do partido. E até aqui tem dado mostras de coesão. Enquanto eu permanecer como presidente do partido, a política que continuarei a traçar será com vista à reconciliação dos guineenses. É evidente que qualquer dirigente ou ex-dirigente é livre como militante de dar o seu contributo para recuperar a imagem do partido e do país mas o partido tem uma direcção própria e é ela que decide.
por Ana Dias Cordeiro
Entrevista a Carlos Gomes Júnior, o novo primeiro-ministro
Carlos Gomes Júnior, 54 anos, líder do partido vencedor das legislativas de Março, é o novo primeiro-ministro que hoje deverá tomar posse na Guiné-Bissau.
Iniciou o seu percurso político em 1994, quando foi eleito deputado nas primeiras eleições no país. Também conhecido por "Cadogo", Carlos Gomes Júnior foi vice-presidente da Assembleia e vice-presidente do Comité inter-parlamentar da União Económica dos Estados da África Ocidental (UEMOA).
Desde que foi eleito presidente do PAIGC, em Fevereiro de 2002, Gomes Júnior renunciou aos destacados cargos da sua carreira de empresário, como o de fundador e membro da direcção do Banco da África Ocidenta (BAO), ou da Petromar e Petrogás Limitada, entre outros.
Numa entrevista telefónica, o novo primeiro-ministro guineense disse querer recuperar a credibilidade perdida do país nos quatro anos de governação do Partido da Renovação Social (PRS) de Kumba Ialá. Excluiu a hipótese de um inquérito à morte de Ansumane Mané (líder da ex-Junta Militar que depôs Nino Vieira), e morto em Novembro de 2000.
Sobre um possível regresso de Nino Vieira ao país, Carlos Gomes disse que o ex-Presidente não é a pessoa indicada para promover a paz na Guiné-Bissau. O novo chefe do Governo colocou estes dois assuntos por conta de "um passado conturbado e tenebroso" que quer ver esquecido e deixou um apelo aos amigos do seu país para "que continuem a acreditar na Guiné-Bissau".
PÚBLICO - Qual a prioridade do seu Governo?
Carlos Gomes Júnior - A nossa prioridade é o saneamento das finanças públicas. A situação financeira do país é caótica e há que implementar acções imediatas e urgentes para dar ao país nova credibilidade e uma nova imagem junto dos parceiros de desenvolvimento. Esta é a prioridade das prioridades, porque sem saneamento das finanças públicas, é completamente impossível fazer qualquer tipo de acção.
P - Quando será anunciada a equipa governamental?
R - A equipa já está formada. Aguardamos as formalidades burocráticas inerentes a esta situação. Pensamos que conforme o programa anunciado, o Governo tomará posse na quarta-feira. Os acordos parlamentares com o PRS e a UE [União Eleitoral] já estão prontos. O PAIGC governará sozinho.
P - Chegou a colocar-se a hipótese de um Governo de unidade em nome do interesse nacional.
R - Essa hipótese ficou posta de lado. O PAIGC tem quadros suficientes para formar Governo. Era nossa intenção abrirmos as portas aos outros partidos políticos, mas dadas as dificuldades encontradas na negociação, que aliás fracassou com o PUSD [Partido Unido Social Democrata, de Fadul], as exigências colocadas inviabilizaram qualquer tentativa de acordo. Nessa base, tivemos de assumir a responsabilidade da governação como partido vencedor. Mas abrindo sempre a possibilidade de nalguns casos de gestão administrativa, e mesmo no Parlamento, cedermos alguns lugares aos partidos com os quais continuámos a negociar.
P - Seria impossível o PRS fazer parte do Executivo?
R - Foi um dado adquirido. Negociámos com eles alguns cargos no Parlamento.
P - Logo a seguir às eleições, o PRS começou por recusar os resultados. Qual foi a contrapartida dada para o PRS aceitar a vitória do PAIGC?
R - Qualquer partido tem direito a fazer a sua reclamação. Deixámos que eles utilizassem os mecanismos que a lei lhes conferia. Depois acabou por se ver que os resultados, tal como os observadores internacionais tinham anunciado, correspondiam a eleições justas e transparentes. Não quisemos forçar nada. Demos tempo para que a razão prevalecesse. E eles [PRS] acabaram por aceitar os resultados e iniciámos negociações.
P - Mas houve ou não contrapartidas a militares próximos do PRS e a membros do partido?
R - O PRS conhece bem o PAIGC e sabe qual a postura dos seus dirigentes. Não é a primeira vez que negociamos. A confiança de parte a parte facilitou as negociações.
P - Chegou a dizer-se que o PRS, para reconhecer os resultados, tinha exigido questões muito concretas, como garantias de imunidades às chefias militares e a membros do PRS, concretamente ao primeiro-ministro do Governo de transição [que agora termina], Artur Sanhá, sob investigação num caso de homicídio.
R - Na Guiné-Bissau, está consagrada a separação clara dos poderes. Portanto, não fazia sentido que partidos políticos estivessem a negociar este tipo de situações do foro jurídico. Nós fizemos simplesmente um acordo parlamentar com o PRS que contempla os vários pontos que, mais tarde, daremos a conhecer quando [o acordo] for assinado.
P - Vão criar-se condições para a abertura de um inquérito à morte de Ansumane Mané?
R - Essas são questões de um passado conturbado e tenebroso. Queremos que a Guiné reencontre os seus valores. A aposta do PAIGC é lançar o país para a via do desenvolvimento e fazer uma verdadeira reconciliação nacional dos guineenses. Essa opção passa por pôr uma pedra sobre várias situações que têm sido expostas, que nós gostaríamos de considerar como passadas.
P - Como vai gerir as tensões nas Forças Armadas, e o eventual regresso de oficiais próximos do general Nino Vieira e do brigadeiro Ansumane Mané, afastados em momentos de ruptura ou conflito dos últimos anos?
R - As Forças Armadas são uma força apartidária. Temos umas Forças Armadas republicanas, cujas leis foram aprovadas no Parlamento. As regras cingem-se basicamente ao cumprimento da lei, sob a direcção superior das Forças Armadas que é o Estado-Maior General das Forças Armadas.
P - Estão reunidas as condições para o regresso dos oficiais afastados?
R - Portugal também teve essa situação conturbada com o 25 de Abril. E os chefes militares arranjaram soluções. Na Guiné-Bissau os chefes militares também têm uma ideia concreta do que querem. A reconciliação das Forças Armadas é um processo que está em andamento. Eles conhecem-se uns aos outros, certamente arranjarão um amplo consenso para a pacificação do país.
P - Uma das outras prioridades do seu Governo é aprovar a Constituição?
R - Naturalmente. Em 1999, no Parlamento, fomos nós [PAIGC] que promovemos os trabalhos da revisão constitucional. É um documento que foi devidamente trabalhado, amplamente discutido, e aprovado pela maioria, mas não foi promulgado pelo ex-Presidente Kumba Ialá. Num Estado de direito, a Constituição tem que estar em vigor. Essa deve ser uma das primeiras medidas do Parlamento. Tem que se aprovar novamente a Constituição, porque os prazos foram todos ultrapassados. Mas em princípio, será nos termos em que o documento está.
P - Mas poderá ser promulgada pelo actual Presidente interino?
R - O Presidente [Henrique Rosa] não tem poderes para promulgá-la. Têm que se aguardar as eleições presidenciais [daqui a um ano] para depois ser promulgada por um Presidente eleito.
P - Agora que o PAIGC regressou ao poder, o ex-Presidente Nino Vieira vai voltar à Guiné-Bissau?
R - A nossa prioridade é repor as instituições a funcionar, dentro da via da democracia. Quanto a outras situações, achamos que pertencem ao passado, e nós queremos pôr uma pedra no passado. Todo o ser humano tem projectos. O que é fundamental é ver a razoabilidade do projecto. Só ele [Nino Vieira] poderá responder a essa questão, e não o PAIGC.
P - Confirma que manteve consultas com Nino Vieira, quando esteve em Portugal, há cerca de três semanas, para negociar as contrapartidas que permitissem alcançar um acordo com o PRS?
R - Não tenho nada para negociar com o general Nino Vieira, nem em termos pessoais nem institucionais. A estabilidade da Guiné-Bissau não passa pelo general Nino Vieira, passa pelos filhos da Guiné-Bissau que querem a estabilidade e a paz para o país, e não pelo ex-Presidente que não é a pessoa indicada para promover a paz no país. A direcção que saiu do último Congresso [de Fevereiro de 2002] é quem é responsável pela gestão do partido. E até aqui tem dado mostras de coesão. Enquanto eu permanecer como presidente do partido, a política que continuarei a traçar será com vista à reconciliação dos guineenses. É evidente que qualquer dirigente ou ex-dirigente é livre como militante de dar o seu contributo para recuperar a imagem do partido e do país mas o partido tem uma direcção própria e é ela que decide.