terça-feira, setembro 21, 2004

O bispo e a intervenção da Igreja

Origem do documento: Missionários do Espírito Santo, 09 Fev 2000

Entrevista com D. Paulino Évora, Bispo de Cabo Verde conduzida por Tony Neves, na Praia - Cabo Verde, para o jornal "Acção Missionária" sobre a Intervenção da Igreja em Cabo Verde.

D. Paulino Évora, espiritano, é Bispo de Cabo Verde, sua terra natal, há 25 anos, na hora da independência do seu país. No último número de ‘Encontro’, D. Paulino falou da sua experiência missionária em Portugal e Angola e do regresso a Cabo Verde como Bispo. Apresentou-nos a sua terra, a sua Igreja e os desafios de presente e futuro a que é preciso responder com fé, urgência e compromisso. Nesta segunda parte, fala-nos da luta contra a pobreza, do combate à sida, duas investidas do governo de que a Igreja contesta a metodologia que está a ser utilizada. Aborda o momento vocacional que o país vive e que dá razões para esperar melhores dias. Finalmente, pronuncia-se acerca do Jubileu dos 300 anos dos Espiritanos. Sobre este evento que a sua Congregação vive desde o dia 2 de Fevereiro, o Bispo de Cabo Verde é de opinião que o futuro está nas raízes, ou seja, é importante voltar sempre ás grandes intuições dos fundadores, à opção pelos mais pobres e abandonados.

Acção Missionária: ‘A Voz do Pastor’ é uma das rubricas mais ouvidas na Rádio Nova. Numa das últimas semanas, o Sr. D. Paulino contestou duas coisas: a maneira como está a ser feita a campanha contra a Sida e o modo como dirigem a Campanha contra a Pobreza.... porquê?

D. Paulino Évora: A luta contra a pobreza tem de ser a sério. Não basta falar e fazer inquéritos ao que as pessoas comem, enquanto os dinheiros para resolver os problemas se escoam nos bolsos de quem não precisa. Temos de denunciar o facto de se dizer que há um programa de luta contra a pobreza, mas nós vemos que os ricos estão cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres! A nível da Igreja, temos apostado na Caritas Diocesana. Começou com um esquema assistencial ainda no tempo de colónia portuguesa. A Caritas de Cabo Verde nasceu em 1976 e, para além da vertente assistencial, apostamos na promoção. Tem procurado assistir as Ilhas em termos de promoção das pessoas e de pequenas comunidades no que diz respeito à saúde, agricultura, criação de animais, ambiente, captação e conservação de água. Tem poucos meios porque depende das ajudas que vêm do exterior, mas vai-se fazendo o que se pode, como o prova o Relatório que acabamos de publicar. Temos formado a consciência das pessoas para saberem dar conta do que a comunidade precisa e saber ter um sentido de solidariedade que não seja interesseira.

Acção Missionária: E no que diz respeito à luta contra a sida?

D. Paulino Évora: Eu continuo a insistir na formação da consciência das pessoas e a questão da sida só se vai resolver com comportamentos regrados. Não se pode fazer tudo à sombra da saúde reprodutiva, como propõem aqui as autoridades. Os convites à banalização do sexo é um engano para as pessoas. A fidelidade, a sexualidade responsável continuarão a ser as grandes armas de combate à sida.

Acção Missionária: Cabo Verde é já uma Igreja que envia missionários. Como vê este rosto missionário da Igreja de Cabo Verde?

D. Paulino Évora: A Igreja de Cabo Verde tem um rosto missionário em dois sentidos: primeiro, boa parte dos missionários vieram de fora do país. Cerca de 90% dos sacerdotes são estrangeiros e apenas sete diocesanos de Cabo Verde. Temos, contudo, 19 seminaristas maiores a estudar Teologia, em Portugal (sete em Coimbra, quatro em Lisboa e 3 em Évora) e na Itália (cinco em Piacenza). Mas temos já missionárias e missionários espalhados pelo mundo. Eu fui um deles. Há sacerdotes salesianos que estiveram em Timor e agora em Moçambique; há capuchinhos que estiveram em Madagáscar e agora nos Estados Unidos; há espiritanos que estão na Amazónia e na Guiné-Bissau. Há Religiosas espalhadas por muitos países da África, Europa e América Latina. Isto, para nós, é uma consolação e esperamos que signifique uma vida cristã sólida. E, como uma Igreja local se torna adulta quando tem clero diocesano para se prover si própria, espero que as comunidades promovam ainda mais as vocações para o clero diocesano.

Acção Missionária: Os Espiritanos começaram a celebrar, no dia 2 de Fevereiro, o Jubileu dos 300 anos de Missão. Que papel desempenharam e desempenham ainda os Espiritanos nesta Diocese de Cabo Verde?

D. Paulino Évora: Os Espiritanos apareceram num momento em que esta Diocese estava muito carente de missionários. D. Faustino Moreira dos Santos, quando foi nomeado para aqui, encontrou uma diocese despida de padres. Os Espiritanos entraram por S. Nicolau, mas trabalharam sobretudo nas Ilhas de Santiago e no Maio. Houve um tempo em que todas as paróquias de Santiago estavam confiadas aos espiritanos. Fundaram a Escola de Catequese e, sobretudo, construíram muitas capelas. Recordo o P. Louis Allaz que construiu muitas capelas em lugares estratégicos na região de S. Catarina. Promoveram muito a formação dos líderes que eram enviados para as localidades. Apostaram ainda nas Escolas. Introduziram movimentos apostólicos como a Acção Católica, a Legião de Maria e o Apostolado da Oração, Conferências Vicentinas. A formação partiu do zero, porque as paróquias estavam quase todas sem pároco. Continuam hoje nesta mesma perspectiva. Reconhecemos que aquilo que temos a nível de fervor de vida cristã em Santiago e no Maio, muito o devemos aos espiritanos.

Acção Missionária: Como espiritano que é, como acha o Sr. D. Paulino que deveriam ser as comemorações deste Jubileu?

D. Paulino Évora: Eu penso que se deve focar e aproximar-se o máximo as intuições dos fundadores: estar junto dos pobres e em lugares onde a Igreja dificilmente encontra ‘operários’. Deve vincar-se este envio aos pobres, a ideia fundamental de Poullart des Places e Libermann. Os pobres e abandonados, quer na Europa, quer na África, quer nas Antilhas, foram a grande paixão dos fundadores. Reviver, revitalizar esta opção será um grande desafio aos espiritanos neste jubileu. O futuro da Congregação passa por aqui.



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