sábado, setembro 25, 2004

Nomi de kasa

Origem do documento: Universidade de Brasília, Papia 1,2 (1991), p. 119-121
por Jorge Ampa *

Já que a cultura é um domínio vasto, não admira tratarmos deste tema assinalado em epígrafe. Contudo, a sua dissertação, embora feita a correr perante outros tantos problemas culturais a resolver, não seria hoje possível sem a feliz estada do prof. Dr. Hildo Honório do Couto, lingüista, por Bissau em outubro/90 no quadro da sua já tradicional deslocação à Guiné-Bissau e comunicações no mesmo país desde há uns anos.

Na Guiné-Bissau, nome di cassa (ou nome de cassa, nome de kassa, nomi di kasa, tendo um conta a ortografia ainda existente), é uma apelidação dada à criança enquanto pequena. Mas à medida que cresce, a situação evolui depois para várias direções.

a) Ou perde o nome logo após a fase de bebé: "bébé"; "bébézinho" ou "nené" (nenezinho, etc.). Portanto, o nomi di cassa (n.c.) fica na infância da pessoa.
b) Ou acompanha o miúdo nas suas andanças de menino "bulidur", "manso", etc., podendo ou não ultrapassar esta fase. Por conseguinte, em alguns casos permanece crescendo com o indivíduo, pelo que pode ultrapassar ou conhecer, sucessivamente, as seguintes faixas etárias de:

- infâcia
- adolescência
- juventude
- adulto

Enfim, sobre este capítulo, por razões de tempo, não nos é possível agora discernir minuciosamente a presente temática em termos de mais pormenores. Mas podemos avançar o seguinte:

O n.c. é usado tanto no contexto familiar como no comunitário. Porém, pode atingir um espaço cultural enorme, isto é, maior do que o anterior como espaço da criança em referência. Consoante a evolução, o n.c. pode distar muito dessa origem, atingindo a escala nacional e internacional.

O n.c. tanto pode ser derivado de um dos nomes próprios do baptismo (católico, islâmico) da pessoa, como ter certas origens, a saber:
- Temporal (por exemplo: "Média", que significa Meio-Dia), e
- Circunstancial (ou de cariz histórico, social, político e sociocultural, mágico-religioso, comportando carga de ditos populares, indicadores ou marcos culturais) de uma dada comunidade num dado momento histórico dessa mesma comunidade ou sociedade.

Por tudo o que foi dito até aqui, limitamo-nos apenas a trazer à memória alguns nomes de cassa bastante conhecidos e usados na Guiné-Bissau:

- Média, Murido, Negado, N'dingui, Bai-Fas (ou Faxi:Vai-Depressa). Abó-que-bim (tu é que vieste ou voltaste de novo, reencarnação: quando a mãe perde filhos...), Hóspri (hóspede - idem de N'dingui, Abó-que-Bim), Djédje, Djédjé ou Djódje (de Jorge, por exemplo), Du, Dudu, Didi, Pipi (de Pedro), Zé, Zézé, Zézinho, Quim, Quim-Quim, Quinzinho, Liisinho (de Luís), Tó, Toy, Tony (de Antônio), Fico (de Francisco), Chico (de Francisco), Meno (de Filomeno), Filó (de Filomena), Tuya (origem caboverdiana), Nelo (de Agnelo), Né ou Neya (de Inês), Ova (de Osvaldo), Nino, Nónó, N'cudji (eu achei: encarnação), Bim-Par-Bai (vir e pronto para partir - encarnação), Bedja (Velha), Bedjo, Nobo (Novo), Mica(s), Neco, Necas, Lalau (Ladislau), Mando (Armando), Nando (Fernando), Nanda, Nandinha (Fernanda), Manecas, Filas, Gundas, Duco, Fico, Djon, Djon-Djon, Jó, Juca-Pires, Tchom-Tchom, Feia, etc.

Mas a situação complica-se em dado momento para o indivíduo, já que é um ser eminentemente social ou "zoon politikon". É dizer, falar de nomi di cassa, em termos de reflexão, na Guiné-Bissau, tem que se falar obrigatoriamente, aliás, obviamente, de alcunhas, ou seja, nomi di toroça, (troça). Acerca deste assunto de "alcunhas" e "apelidos", ver o trabalho do Dr. Hildo Honório do Couto, "Os apelidos do Cláudio" (in: Humanidades n. 11, 1987/8, p. 65-70).

Existem, pois, na Guiné-Bissau, nomi di cassa, nomi de toroça, nomi de manjuandadi ou colegação (certos grupos restritos auto-organizados com base na faixa etária, sem discriminação de sexo). Um fenômeno curioso: embora aconteçam em menor escala, há casos de herança de nomi di toroça. Aqui é que a situação se torna complicada e embaraçosa para a pessoa alvejada: o n.t. passa automaticamente (não por via biológica, matrimonial ou baptismal, em termos oficiais ou tradicionalmente e oficialmente reconhecidos) de pai para filho ou de irmão mais velho para irmão mais novo. Esta investidura é, de facto, "violenta" psicologicamente, porquanto tenta às vezes (se não na maioria dos casos) atingir a pessoa, pois é uma investidura decidida, por um lado, da parte dos colegas de "detentor(es)" do nomi de toroça, e, por outro lado, da parte dos colegas "empossados". Na Guiné-Bissau, esses nomes ainda hoje ferem bastante a susceptibilidade dessas pessoas:

TÊM QUE SER USADOS SÓ POR COLEGAS OU AMIGOS ÍNTIMOS E EM LOCAL RESTRITO ("privadamente privado").

Esses nomes quase que assumiram conotação ou ligação histórica e eterna (carne e osso) e com essas pessoas ainda vivas no país, e em Bissau.

Mas, para ter uma idéia, eis alguns nomes de toroça de carácter genérico, bastanto abstracto e muito longe dos nomes de toroça já encarnados: Secu-Secu (Magricela), Cumprido (Alto, Comprido), Pó-Ferro (Pau-Ferro), Badjungo-Fero, Rapá-Garandi (Rapaz Grande). Há ainda os nomes indirectos e impessoais: Manga-Fulano, Estin, Dona-Cassa, Noiba-Nobu, etc.

A nossa situação e instinto de observação impelem-nos a avançar estes dados provisórios até a confirmação da estatística real, na Guiné-Bissau:

- Percentagem aproximada de nome di cassa (já agora, dando boléia ou "carona" aos nomes di toroça, mandjuandadi, etc.), a nosso ver, é de:
- Falantes de português-crioulo ................... 70%
- Falantes de crioulo .................................... 75% a 80%
- Falantes de línguas étnicas:

a) islamizadas e animistas: manjacos, mancanhas, papéis, fulas, mandingas, beafadas, etc: 50%; b) balantas ............................................. 100%

(Entre estes últimos cada nome é um nomi di cassa e é um dito ou adágio).

Resumindo e começando a conclusão (em vez de "concluindo"), pode-se afirmar que, na Guiné-Bissau, cada pessoa enquadrada neste esforço de reflexão, e talvez mesmo aquelas que ficaram fora das porcentagens, têm em média 2 ou 3 nomes. O nome oficial é quase inexpressivo, isto é, não de utilidade diária. Apenas em atos oficiais, solenes ou de "prisão perpétua" do dedo que recebe o anel ..... COITADINHO(S).

Pois é, há casos de indivíduos contendo até mais de ma dúzia de nomes.

Outro fenômeno curioso: os n.t. podem, quando manipulada a mentalidade do meio pela pessoa visada, ser transformados em nome di ronco (nome de exibição, de glória, de identidade, de afirmação social, máscula, etc., etc.). Há locais e circunstâncias que também dão nomes. Podemos encurtar ou "adquirir" (querendo ou não) nomes:

- Na escola
- Nas atividades lúdicas (desporto, natação, etc.)
- Nas atividades de lazar (comemorações, festas, etc.)

Na Guiné-Bissau existem personalidades famosas que têm n.c. Aliás, conservaram o n.c. Ou, ainda melhor, o espaço cultural, a comunidade, o(s) bairro(s) e a sociedade inteira (a nível da afirmação velada no subconsciente coletivo nacional) passou, portanto, a exigir. É taxativo!!! Senão a pessoa "perde-se". A gente não sabe.

Enfim, finalizemos o nome di cassa com algumas personalidades importantes do meu país (Guiné-Bissau) e também de outros;
Nino Vieira (João Bernardo Vieira - Presidente da República)
Thico Té (Francisco Mendes)
Ova (Osvaldo Vieira)
Abel Djassi (nome de guerra de Amílcar Cabral).
Ah! Não esqueçamos que alguns nomes têm que ser pronunciados em bloco: Victor Saúde Maria ou Victor Freire Monteiro.

* O autor é jornalista, escritor e investigador do INDE (Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação).



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