quarta-feira, setembro 15, 2004

MLG, FLING e o início da guerra

Origem do documento: Falcão do Minho /764/764_21.html e /765/765_29.html
por Alexandre Carlos Marta

A verdadeira “guerra da Guiné” terá sido desencadeada pelo PAIGC apenas em 1963. No entanto, as primeiras manifestações hostis foram anteriores, designadamente através de uma organização nacionalista rival sedeada no Senegal, o MLG que mais tarde viria a dar origem à FLING (1). Essas acções armadas tiveram o seu início em Janeiro de 1961, mas foram sempre de pequena envergadura, sendo os seus objectivos aldeias próximas da fronteira sem guarnições militares. S. Domingos, Varela e Susana, terão sido as primeiras povoações a serem assediadas pelo grupo.
Na verdade, a vertente das incursões do MLG sempre se revestiu de algum carácter de banditismo, pois visou essencialmente aterrorizar as populações. Até ao início da verdadeira guerra, manteve esse tipo de actividade até ser sido absorvida pela referida FLING e, desde aí até pouco mais tarde, manteve-se sempre em território senegalês molestando os refugiados da guerra que aí tentavam encontrar protecção.

O território

O espaço geográfico abrangido pela Guiné, quer pela sua localização, orografia e flora, tornaram esse país na maior dor de cabeça para os militares portugueses que aí tiveram de fazer a sua “comissão”. É uma área encravada na costa ocidental da “África Negra”, de reduzidas dimensões, e que se encontra entre o oceano Atlântico e vários países africanos. Esse facto fazia desse país “uma zona fronteiriça e, portanto, próxima dos santuários localizados nos países limítrofes” (2). Para além disso, “a sua especificidade ecológica e hidrográfica, a superioridade em termos de armamento por parte dos guerrilheiros face ao exército português e, sobretudo, a capacidade política demonstrada em mobilizar as populações rurais, foram alguns dos factores decisivos que contribuíram para os êxitos que o PAIGC acumulou ao longo da luta de libertação” (2).
Outro factor de grande importância para o sucesso da guerrilha guineense contra o exército português foi a capacidade política e o prestígio alcançados pelo seu líder, Amílcar Cabral.

Amílcar Cabral

Amílcar Cabral (ver foto), nascido em 1924 e barbaramente assassinado em 1972, foi o mais proe-minente político da Guiné-Bissau, tendo nascido em Bafatá. Formou-se no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, tendo regressado à Guiné para dirigir o Centro Experimental Agrícola de Bissau.

Em 1956 fundou o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) tendo ascendido ao cargo de secretário-geral; foi, igualmente, um dos fundadores do Movimento Anti Colonialista (MAC) (1).

Após o massacre de Pidjuguiti, em 1959 (4), voltou a Bissau onde presidiu à reunião do PAIGC que aprovou em congresso a luta armada como caminho único para a independência. Desencadeou a guerrilha em 1963, conseguindo muito rapidamente o apoio de muitos países e de várias instâncias internacionais, o que passou pela própria O.N.U.

Em 1972 obteve o reconhecimento internacional do seu partido como único representante do povo guineense. Foi assassinado a 20 de Janeiro de 1973. É opinião generalizada que se tratou de uma operação da responsabilidade da PIDE/DGS juntamente com dissidentes do seu próprio partido (5).

Deixou algumas obras sobre agronomia, para além de diversos escritos políticos que se tornaram obras de referência para os lutadores da liberdade (6).

O começo

Como já dito, foi logo no início de 1963 que o PAIGC entrou em acção, nomeadamente na sua parte meridional (3) entre o rio Geba (ver foto) e a fronteira da Guiné-Conakry, de influência francesa. Tite, Fulacunda, S. João, Saluncar, Belanda e Cacine foram os principais alvos dos nacionalistas que, pouco mais tarde, se incorporariam nos territórios do sul sob “controlo virtual” desses.

A estratégia desenvolvida pelo PAIGC desde o início das hostilidades desenvolveu-se a partir de planos vários que visaram não penas a luta armada em si, mas toda uma série de contactos internacionais com uma diversidade de aspectos de que as guerrilhas em Angola e depois em Moçambique, só mais tarde conseguiram alcançar.

Na verdade, o PAIGC tornou-se no mais importante movimento para a libertação da Guiné portuguesa, tendo-se conseguido sobrepor a outros movimentos que visavam o mesmo fim. Os seus predecessores haviam sido a União Popular da Guiné (UPG), o Movimento de Libertação da Guiné (MLG), que tinha sido o movimento com maior dinâmica até aos inícios dos anos 60, a União dos Naturais da Guiné Portuguesa (UNGP), o Movimento de Libertação da Guiné e Ilhas de Cabo Verde (MLGVC), tendo muitos membros destas organizações sido agrupados, pouco mais tarde, na já anteriormente referida FLING (Frente de Libertação e Independência Nacional da Guiné).

A reacção portuguesa

Os ataques do PAIGC apanharam desprevenidas as forças portuguesas no terreno. Às poucas guarnições presentes em território guineense, juntava-se o reduzido número de efectivos militares. Não bastasse isso, inicialmente as tropas portuguesas estavam praticamente imobilizadas fruto das más condições de conservação das vias de comunicação existentes e que na grande maioria das vezes eram constituídas por “picadas” sem qualquer tipo de manutenção.

Contudo, não deixou de haver uma rápida reacção por parte das autoridades portuguesas que desencadearam uma vaga repressiva sobre as redes do PAIGC, se bem que apenas e especialmente tivessem afectado as áreas urbanas que eram as zonas onde o governo de Salazar detinha efectivamente algum poder para reagir. Dessa vaga de repressão em que a polícia política teve um papel fundamental, resultaram várias prisões e o exílio para alguns altos dirigentes que conseguiram escapar-se ao cerco da PIDE e do Exército. O país de acolhimento foi principalmente a Guiné-Conakry, país francófono que faz fronteira a sul de Guiné-Bissau.

A contra-reacção dos nacionalistas

A reacção das forças portuguesas obrigou os dirigentes do PAIGC a reformular as suas estratégias. O uso da força, naquele ano de 1963, revelou-se insuficiente no sentido da libertação da Guiné, pelo que começou a ser feito um trabalho de sensibilização não apenas junto das aldeias guineenses mais a sul (tribo dos “Balantas”), mais próximas de Conakry, mas também junto das altas instâncias supranacionais assim como em países ocidentais simpatizantes e apoiantes da sua causa. Para além disso, cerca de duas dezenas de militantes foram enviados para a China de Mão Zedong, com o objectivo de receberam o apropriado treino militar.

Problemas nos comandos portugueses

Ao problema da falta de efectivos e unidades militares, às degradadas vias-de-comunicação, juntava-se outro bastante mais difícil de resolver: o “conflito larvar existente entre o governador da Guiné, general Arnaldo Schultz (1), e o responsável militar, brigadeiro Louro de Sousa, que agravou, desse modo, a quase total inacção das forças portuguesas” (2).

Louro de Sousa, face aos ataques do PAIGC e considerando as hipóteses de movimentação das tropas portuguesas e a logística existente, entendeu que não era possível contra-atacar, dando “a situação militar como insustentável e perdida” (3). Obedecendo à lógica salazarista, Arnaldo Schultz não aceitou o facto como consumado. Das razões de um e outro, totalmente opostas, saiu um impasse que foi suficiente para que o PAIGC conseguisse dominar com relativa rapidez e facilidade o sul e tivesse avançado rapidamente para o norte e para o interior, designadamente a zona do Oio, localizada no centro-norte guineense.

Pelo início da luta armada na Guiné se extrapola as razões porque, nessa “província” particularmente, a frente de combate foi especialmente dura ao longo dos mais de dez anos de combates.

(1) Antigo Ministro do Interior de Salazar. O homem que inicialmente apoiou Botelho Moniz mas que, tendo visto para onde as coisas iam cair, se refugiou no quartel do Carmo durante “A Abrilada”, “ajudando a “tirar o tapete” a Moniz (ver “Para que Nunca Esqueçamos” XXIX).
(2) “Portugal Contemporâneo” /direcção de António Reis), Alfa, 1989, pp. 90.
(3) CUNHA, Silva, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril, pp. 111-112.



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