segunda-feira, setembro 13, 2004

Londres: uma viragem fora do tempo

Origem do documento: Diário de Notícias, 21.04.1999
por José Manuel Barroso

Estaria Marcelo Caetano, nos meses que precederam o 25 de Abril, a alterar a sua política africana e decido a forçar, a partir do interior do regime, uma saída para o problema? Os escritos do ex-chefe do Governo, no pós-25 de Abril, são omissos quanto a esse tema, mas parece evidente que o encontro de Londres (que Marcelo ignora sempre, nos seus textos de exílio) entre delegações do Governo português e do PAIGC é o sinal inequívoco de uma viragem.

Uma coisa parece hoje ser clara: o Governo queria resolver a questão da Guiné, para ficar livre para Angola e Moçambique. Mas conversar directamente com o PAIGC, com um movimento guerrilheiro, era um acto - e um precedente - histórico. Que se passaria, depois, em Moçambique e em Angola? Dada a situação militar nestes dois territórios, o Governo esperava, decerto, usar um óbvio ascendente militar para iniciar outra fase de diálogo.

Em 1970, o chefe do Governo comenta para o general Silvino Silvério Marques: "Eu sei que o senhor é muito integracionista, eu não o sou tanto." Mas na revisão constitucional de 1971 recua na designação constitucional de "Estados" para Angola e Moçambique - Spínola, de resto, queria a mesma designação para a Guiné.

Depois, não aceita o diálogo directo com o PAIGC, em 1972, por imposição do presidente Tomás (o qual, depois de uma reunião do Conselho Superior de Defesa, em que o general Costa Gomes afirma ser a Guiné "militarmente defensável", considerou a hipótese de um diálogo excluída).

Mas vai tentá-lo dois anos depois, levado pela pressão dos acontecimentos. Descolando do sector mais à direita, incluindo o presidente Tomás. Em entrevista ao DN, o ministro dos Estrangeiros de Marcelo aceita que uma das críticas justas que ao Governo de então pode ser feita "é a de não ter havido diálogo suficiente". Rui Patrício reconhece haver "uma dinâmica que não era toda controlada" pelo Governo e que "as concepções teriam de se adaptar à evolução das realidades".

Por outro lado, ao admitir ter conhecimento da Operação Nino, que a DGS desenvolvia, Rui Patrício torna claro que o Governo, enquanto tentava dialogar com o PAIGC, não abandonara a linha de o enfraquecer, aprofundando as clivagens internas.

Baltasar Rebelo de Sousa, o último ministro do Ultramar, nomeado em Novembro de 1973 (em entrevista que lhe fiz para livro em preparação), afirma que a justificação política da sua escolha para a pasta, dada por Marcelo, "foi a de que conviria acelerar a aplicação do que estava na raiz das alterações constitucionais de 1971 e da nova Lei Orgânica do Ultramar, no sentido da autonomia progressiva". E precisa: "A ideia de uma mudança na política ultramarina, no sentido das alterações não totalmente introduzidas, porque um sector do Governo e da Assembleia Nacional não quis ir mais longe."

Silva Cunha, por seu lado, diz que o texto da Lei Orgânica do Ultramar foi da sua lavra, tal como a ideia da designação de Estados para Angola e Moçambique. "E fui muito atacado por pessoas que antes se diziam partidários da autonomia", acrescenta.

Assim sendo, porque não tentou Marcelo Caetano apoios para uma política que parecia aproximar-se do pensamento evolucionista de parte dos seus críticos, nomeadamente dos generais Costa Gomes e Spínola? Porque recusou as ofertas destes dois generais, no sentido de avançar contra os sectores integracionistas? Porque permite o livro de Spínola ou não o impede justificando a decisão com a revelação de uma manobra que estava já desenvolvendo? E porque se vergou a Tomás, quando estava já iniciando uma negociação na Guiné?

Talvez Marcelo tenha percebido que a força do movimento dos "capitães" era já incontrolável, mesmo pelos próprios generais, e que era tarde, demasiado tarde. Que já não tinha espaço para a sua manobra.



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