sábado, setembro 25, 2004

Festival de Cambadju

Origem do documento: panapress, 20 Fev 2004

Durante o conflito que assolou a Guiné-Bissau em 1998, a fronteira de Cambaju foi uma das mais procuradas pelas populações civis, que tentavam sair do país, mas também das mais guardadas pelos militares. Era o tempo da guerra. Hoje, a localidade situada a apenas um quilómetro da fronteira com o Senegal, é palco de um festival anual de jovens que sonham com uma África apaziguada.

Por Fafali Koudawo e Aruna Jamanca*

A primeira semana de Março foi colorida, alegre e barulhenta em Cambaju. Durante três dias, jovens do Senegal, da Guiné Conacri, da Gambia, da Mauritania juntaram-se aos seus colegas bissau-guineenses para celebrar a paz e a integração regional no II Festival Internacional para a Paz e Integração Sub-regional (FIPI), quatro anos após os confrontos que assolaram a região.

Em Junho de 1998, rebentava em Bissau um conflito político-militar com confrontos entre as forças fiéis ao então presidente Nino Vieira, igualmente apoiado por militares senegaleses, e os golpistas liderados por Ansumane Mané. Porém, apesar da desconfiança em todo o país, Cambaju continuou a funcionar como uma localidade onde as pessoas podiam encontrar uma luz no meio do conflito. Quando foi encerrada a fronteira entre a Guiné-Bissau e o Senegal, as populações continuaram a escolhê-la para poderem sair.

Esta época parece bastante longe. Em vez de soldados e refugiados à caminho de Bafatá e Gabú, viu-se sobretudo jovens nos primeiros dias de Março em Cambaju. Jovens como Tasiro, Usseine e Suleimane, reunidos para esconjurar a guerra e celebrar a paz e a integração na sub-região, através de palestras, música e dança, entre várias actividades.

Tasiro Djaló, é um músico senegalês e veio da cidade de Kolda, situada a uns 34 quilómetros de Cambaju. Na sua opinião, a falta de sensibilidade dos dirigentes tem sido a maior causa dos conflitos que assolam o continente e travam o seu desenvolvimento. "A educação da nova geração deve estar virada para uma cultura de paz que conduza à unidade, o maior sonho dos africanos", diz, precisando que para lá se chegar, é preciso que a juventude saiba evitar a armadilha do álcool e dos estupefacientes, que destruem as consciências e aniquilam as potencialidades dos jovens das camadas sociais mais desfavorecidas.

O guitarrista bissau-guineense Suleimane Djabaté, do Ballet Nacional, foi um dos vários artistas guineenses que tomaram parte no festival. O que lhe agradou foi o encontro com os participantes dos países vizinhos. "Neste encontro estou a discutir com cidadãos guineenses de Conacri, gambianos, senegaleses e mauritanianos. Isto é muito importante". Na sua perspectiva, trata-se de um virar de página na conflituosa história dos países africanos, pois permite reatar com a convivência entre povos, tal como acontecia na era pré-colonial.

Mas Cambaju não é apenas um encontro reservado aos jovens e artistas. A presença do capitão Ibraima Sory Touré, director prefeitoral em Gaoal, na Guiné-Conacri, é disso exemplo. Este responsável não quis deixar de ver com os próprios olhos a convergência de jovens, devido ao seu "grande valor pedagógico na construção da paz sub-regional". "Eles contribuem para a mudança de mentalidade", resume, precisando que encontros do género são um complemento útil à consolidação da convivência habitual das populações. À título de exemplo, cita o caso de Gabú, cidade da Guiné-Bissau onde vivem mais de três mil cidadãos da Guiné Conacri.

Segundo o director prefeitoral, as trocas comerciais das populações fronteiriças fazem parte do processo de integração sub-regional, "que poderá ser efectiva graças à instauração de uma moeda única e uma paz duradoura nos países da África ocidental". Foi o comércio que trouxe Usseine Sidi ao festival. No entanto, este comerciante mauritaniano de 33 anos, não deixa de ver na iniciativa um meio susceptível de prevenir confrontos nesta parte da África Ocidental. "Encontros similares são de natureza a influir positivamente na redução dos conflitos na sub-região", precisa.

Para os participantes, os três dias do festival confirmaram que apesar de partilhada por "dois Estados com línguas oficiais diferentes, a localidade é povoada por um só povo estruturado por complexos laços étnicos, culturais e familiares". "Um povo que através da fronteira artificial mantém densas relações comerciais, para não falar das famílias que moram num lado da linha fronteiriça e desenvolvem as suas actividades agrícolas na outra margem", indica um deles.

No entanto, há quem precisa que "a paz não é apenas uma festa". Segundo outro participante, apesar das imagens harmoniosas valorizadas pelo festival, não é menos verdade que a paz continua a ser precária. "Basta um incidente para novamente pôr tudo em causa". Apesar dos jovens reunidos em Cambaju sonharem com uma África apaziguada, o conflito na vizinha Casamança, prova que a situação nessa região pode explodir a qualquer momento.
*Banobero



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