sexta-feira, setembro 24, 2004

Carta ao Primeiro Ministro (1999)

Origem do documento: GeoCities
por José da Silva - Dakar, senegal

Carta ao Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau, 3 de Janeiro de 1999, transcrita aqui na íntegra

Para a S. Exa.
Senhor Francisco José Fadul
Primeiro Ministro

Excelência,

Aproveito esta oprtunidade para endereçar-lhe as minhas felicitações pela acertada e corajosa escolha que sobre si recaíu, de chefiar os próximo governo do nosso estimado país. Deus/Alah lhe ilumine e lhe aconselhe na tomada de importantes decisões, em busca de melhores vias e meios para oferecer ao valente mas “mufenado” povo da Guiné, a felicidade, paz e progresso.

Os dias passam e muitos guineenses estão convencidos de que Nino Vieira tenta embrulhar a Junta Militar durante a aplicação dos acordos de Abuja, realidade que se viesse a se concretizar consistiria um rude golpe às expectativas daquele humilde povo que, pesados sacrifícios, mais uma vez consentiu em busca de dias melhores.

Até aqui Ansumane Mané tem-se mostrado um fino político e grande estratega militar ao encurralar e derrotar os exércitos invasores da República da Guiné e do Senegal, que vieram em socorro do ditador guineense.

A manobra dilatória de Nino Vieira consiste, por um lado, em tentar ganhar tempo para se reforçar militarmente e, por outro, tentando explorar de maneira extremada, aspectos menos explícitos do acordo de Abuja para reforçar os seus poderes constitucionais e reais.

No tocante ao primeiro ponto, apesar dos vários acordos, ele multiplicou nos últimos tempos os ofícios visando a compra de armamento sofisticado e outros materiais de fins militares, como sejam; sistemas de comunicação, vários aparelhos satélite (missão cumprida por Tcherno, Faty e Selo com um fundo proveniente do pagamento de uma dívida pela RFA, ligada à venda da Semapesca, num valor de sessenta milhões de Francos). Nesta mesma estratégia, o general enviou várias missões a Africa do Sul, nomeadamente Avito Silva acompanhado de um senegalês, que se pretende conselheiro especial de Nino, chamado Inussa. O objectivo é de recrutar mercenários através da empresa Executif Outcomes.

Indicações provenientes de fontes concordantes indicam que o negócio estaria mais ou menos concluído, não fosse a inquebrantável recusa do BCEAO em desbloquear a astronómica soma de dinheiro solicitado (15/12/98). Consta que uma missão do Ministério das Finanças se deslocará a Paris para levantar um antigo dinheiro (meio milhão de dólares) bloqueado pela Société Générale, no rescaldo dos desentendimentos entre o Tesouro Público guineense e essa instituição bancária francesa provocados por uma dívida faraminosa deixada por Leonel Vieira. Esta soma, mais uma parte do fundo levantado por Delfim em Macau (um milhão de dólares) serão utilizados para o efeito.

Estas espertezas de Nino Vieira são provas de abuso dos governantes ante a inexperiência político-governativa da Junta que, a esta data, devia "bloquear" todos os movimentos financeiros que implicassem o Tesouro Público, quanto mais não seja para garantir meios absolutamente indispensáveis à execução das reformas públicas e à solução dos problemas sociais mais candentes da população e, em particular, dos antigos combatentes, uma vez adquirida a paz definitiva. Quem sabe se Nino Vieira não esteja precisamente a criar condições para o agravamento da situação financeira do governo pós-conflito, desembocando no agravamento das tensões e de conflitos sociais, tendo por mira mostrar que o país é ingovernável sem ele. Não de descartar esta hipótese, tendo em linha de conta a estratégia subjacente ao programa radiofónico animado por Bassiro Dabó, intitulado "Watcha Catcheu".

Nino Vieira perdeu o controlo da importante pasta das finanças em Lomé, mas tenta a todo o custo preservar o controlo da bolsa guineense, através dos mais variados “lobies” para impingir a recondução de Issufo Sanhá. Esta é uma velha história da lebre e da loba. Recorde-se que Roma venceu a Grécia pelas armas, mas a Grécia manteve-se senhora da Roma culturalmente.

A técnica de Nino Vieira consiste em veicular Junto dos círculos próximos da junta a falaciosa e infantil ideia de que os doadores exigem Issufo Sanhá nas Finanças, como se tivéssemos lutado para preservar alienada a nossa soberania, em qualquer matéria que seja. Como se não houvessem mais economistas ou quadros de outra craveira susceptível de projectar o nosso desenvolvimento e ter simultâneamente em conta o princício do ajustamento estrutural.

Até aqui o lema era Nino não tem substituto. Agora estão criando mais um mito de insubstituibilidade. Mas, afinal, feitas as contas, o objetivo até não é de manter o Issufo para o bem da Guiné ou porque reconhecem uma qualquer qualidade inigualável neste senhor.

São dois os objectivos desta campanha de intoxicação: antes do mais, a clique de Nino Vieira não quer que os negócios super-sujos que andaram a fazer venha à baila com a nomeação de um novo ministro. Se Issufo for reconduzido, como é que vamos poder fazer um sério inquérito sobre os desvios de fundos públicos antes e principalmente durante a Guerra? Como podera ele ser árbitro e jogador. Investigador e objecto de investigação? Não. Não seria sensato, para além de defraudar os propósitos e as expectativas do processo revolucionário. Se há uma coisa que aprendemos com esta guerra e que deve ficar é que ninguém é insubstituível. Se Issufo quisesse ser reconduzido não teria participado no financiamento da guerra contra os nossos valorosos combatentes da liberdade da pátria.

Mas o objectivo principal de Nino Vieira em preservar o pelouro das finanças visa, como dissemos mais acima, manter o controlo do património financeiro do país, ganhando, finalmente, pela astúcia, o que perdeu no campo da batalha. Ele ficaria controlando 6 ministérios e 5 Secretarias de Estado. É bom não perder de vista que vamos a caminho de novas eleições e que Nino Vieira manifesfestou publicamente a sua determinação em recandidatar-se. Pa no dal As ku Sete? Isto seria uma autêntica Matemática de Boé, parafraseando Koumba Ialá.

Ademais, acho que é urgente esclarecer a questão da detenção das pastas da Procuradoria e do STJ, as quais, por causa da omisão parecem continuar nas mãos de Nino Vieira. Será assim? Cuidado!

Não podia terminar esta minha missiva sem felicitar os membros da Junta, em primeiro lugar o Brigadeiro Ansumane Mané, pela sua valorosa luta pela defesa da pátria e da dignidade dos guineenses.



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