sexta-feira, setembro 24, 2004

Abraço "fraternal" (1998)

Origem do documento: "A Capital", 30 de Outubro de 1998, transcrito de terravista.pt
por Nuno Paixão Louro

Abraço «fraternal» em nome da paz

Quatro meses depois do início da rebelião na Guiné-Bissau, o presidente «Nino» Vieira e o líder da Junta Militar, brigadeiro Ansumane Mané, encontraram-se ontem frente-a-frente na capital da Gâmbia, tendo dado um longo abraço de reconciliação. Os méritos recaem todos sobre o presidente gambiano Yahya Jammeh, ao conseguir um cheiro a paz e transformar o encontro a dois numa cimeira sub-regional. Hoje à tarde, os dois opositores participarão na 23ª. Cimeira da CEDEAO, que se realiza na capital administrativa da Nigéria, Abuja, tendo aceitado apresentar ali um projecto de reconciliação nacional.

Aceitando o convite de Yahya Jammeh para participarem na 23ª. cimeira da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que hoje se inicia em Abuja, Nigéria, o presidente João Bernardo «Nino» Vieira e o comandante supremo da Junta Militar rebelde Ansumane Mané provaram que, apesar de tudo, apostam na paz.

Reunidos no hotel Kairaba de Banjul depois de insistentes apelos do presidente gambiano, os dois opositores no conflito acabaram por dar ontem à noite, depois de vencida alguma resistência inicial, um abraço «fraternal» entre dois irmãos guineenses.

O que era para ser um encontro solene mas reservado entre as duas partes e os mediadores, transformou-se num autêntico acontecimento histórico devido à insistência de Jammeh em querer reconciliar dois homens que já passaram «bons momentos», numa alusão aos 37 anos de convívio entre ambos.

Assim, apelando ao coração dos dois homens, e na presença de cerca de meia centena de pessoas que Yahya Jammeh, ao contrário do que era esperado, juntou em Banjul, como o ministro do Interior do Senegal, Lamine Cissé, e o ministro dos Negócios Estrangeiros da Guiné-Conacri, Lamine Camará, para além do «incansável» MNE gambiano Sadat Jobe - o diplomata que Yahya Jammeh enviou a Bissau logo nos primeiros dias do conflito -, do embaixador de Portugal e da encarregada de negócios da Suécia em Bissau, Fernando Henriques da Silva e Ulla Andren, respectivamente, do embaixador de França em Dacar, entre outros diplomatas acreditados na capital gambiana e líderes religiosos, o presidente gambiano conseguiu que, após o brigadeiro Mané ter falado logo a seguir ao presidente «Nino» Vieira, que ambos dessem um sinal inequívoco de que a reconciliação é possível. O abraço selou a espécie de acordo de princípio.

Falando primeiro no conflito que se instalou na Guiné-Bissau, e a que atribuiu ao destino, «Nino» mostrou-se afável mas algo cínico ao afirmar: «Nunca pensei que um dia irmãos guineenses pegassem em armas para se baterem». Rematando com um pedido de perdão a Deus pelo que se está a passar no país, garantiu que foi a Banjul com o objectivo de que a «paz reine definitivamente na Guiné-Bissau».

Ansumane Mané, por seu turno, reiterou as anteriores posições da Junta de abertura ao diálogo e expressou o seu desejo de ser encontrada uma solução efectiva de levar a paz à Guiné-Bissau. «Esperamos que hoje se chegue ao fim», disse, salientando que essa dependerá em muito de «Nino» e de Jammeh.

Isto porque, embora o brigadeiro tenha demonstrado o seu tacto diplomático ao não acusar o presidente «Nino» de prolongar a guerra com os seus pedidos de ajuda militar aos países vizinhos, fez questão de realçar uma vez mais, que a única solução para o conflito no país terá de passar impreterivelmente pela retirada total de todas as forças militares estrangeiras.

Esta foi, aliás, a única condição sine qua non que Ansumane colocou para que a guerra acabe rapidamente na Guiné.

Horas antes, e já depois do líder da Junta ter chegado a Banjul e ter de esperar seis horas num quarto de hotel até que o encontro tivesse lugar, chegou a temer-se o pior. Afinal, «Nino» Vieira partira de Bissau com uma comitiva de 20 pessoas - familiares incluídos -, que levou a aventar-se a hipótese de estar a preparar a sua saída definitiva do país.

Seja como for, e quando se temia que os pontos acordados para o encontro (cessar-fogo e sua fiscalização, instalação de uma força de interposição, abertura do aeroporto e porto de Bissau, ajuda humanitária e elaboração de um plano de trabalho de paz) pudessem levantar divergências, a diplomacia do presidente Jammeh soube como nenhum outro serenar os ânimos ao fim dos 45 minutos do encontro.

Mais importante ainda, conseguiu que ambos acedessem a participar na 23ª. cimeira da CEDEAO que hoje se realiza à tarde na capital administrativa da Nigéria: Abuja.

Sinal de que o encontro de Banjul foi um bom começo na tentativa de levar a paz à martirizada Guiné-Bissau, é o facto de «Nino» Vieira e Ansumane Mané terem concordado em viajar no mesmo avião.

Assim, «Nino» e Mané estarão hoje em Ajuba onde, de acordo com o compromisso assumido perante o presidente gambiano, deverão debater, em plena cimeira da CEDEAO, um projecto de reconciliação nacional.



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