sábado, março 12, 2005

Kumba considera nula a sua renúncia (Mar 2005)

Origem do documento: www.noticiaslusofonas.com, 12 Mar 2005

Kumba Ialá regressa e considera nula a sua renúncia ao poder

O ex-chefe de Estado guineense Kumba Ialá considerou hoje "nula e sem efeito" a renúncia ao poder assinada na sequência do golpe militar que o depôs em 2003, deixando entender que vai candidatar-se à presidência da República.

Por Mussá Baldé e José Sousa Dias
Agência Lusa

Kumba Ialá fez estas declarações aos jornalistas à sua chegada hoje ao aeroporto internacional Osvaldo Vieira, em Bissau, vindo de Dacar, onde esteve "em repouso e de visita a amigos" durante cerca de dois meses.

Visivelmente bem disposto, contrastando com o aspecto que aparentava quando deixou Bissau em Janeiro último, Kumba Ialá afirmou que não reconhece qualquer acto que tenha ocorrido no país desde o golpe de Estado que o afastou do poder, por este ser "ilegal".

"Por aquilo que lemos na história e conhecemos pelas doutrinas, sabemos que a renúncia faz-se num gabinete de serviço sem que se esteja rodeado por um único militar. E nunca depois de 24 horas dentro dos quartéis e numa residência super-vigiada por mais de 45 homens armados. Que tipo de renúncia é essa?", questionou Kumba Ialá.

Para o ex-chefe do Estado guineense, a sua renúncia fica ainda sem efeito porque ocorreu numa altura em que o já falecido Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), general Veríssimo Correia Seabra, "usurpou" o poder politico, assumindo a presidência da República durante cerca de 48 horas.

"É um acto nulo e sem efeito tudo o que se passou com essa minha renúncia", disse Ialá.

Questionado pela Lusa sobre qual a sua opinião perante a marcação de data para a realização das próximas eleições presidenciais, factor que deve concluir o período de transição aberto com a deposição do seu regime, Kumba Ialá respondeu com três perguntas.

"Que transição é essa? Transição para onde? Transição para a morte?", perguntou Ialá, sem entrar em mais pormenores.

E de seguida, insistiu, o golpe de Estado que o afastou do poder foi um acto de "força", perante o qual não podia lutar por não ter argumentos contra esse facto, cabendo agora "aos analistas políticos debruçarem-se" sobre o ocorrido a 14 de Setembro de 2003.

Sem perder fôlego, Kumba Ialá lançou alguns dados de análise em relação aos órgãos nomeados para gerir o processo de transição, iniciado com o golpe de Estado de 2003.

"Se houver agora as eleições, quem vai empossar o presidente da República eleito? Será que o actual Parlamento tem competências para o fazer?", questionou Ialá, interrogando, de imediato, se o órgão que deu posse ao actual Parlamento tem também competências para tal.

Foi por essas mesmas razões que Kumba Ialá colocou ainda em causa o Procurador-Geral da República (PGR) e a presidente do Supremo Tribunal de Justiça, dizendo que os titulares desses órgãos foram empossados por instituições sem competência para esse fim.

Instado a pronunciar-se sobre se considerava "viciado" todo o processo aberto no país com o golpe de Estado, Kumba Ialá, respondeu afirmativamente.

De bandeira branca na mão esquerda e os dedos em sinal de vitória, o antigo presidente da República acabou, contudo, por contradizer-se ao abordar o tema das eleições presidenciais, cuja data está apontada para Junho mas ainda oficialmente por fixar.

Kumba Ialá disse que a sua candidatura dependia apenas da "decisão do povo", para logo depois assumir que não reconhece nenhum candidato à altura de lhe fazer frente no actual momento político da Guiné-Bissau.

"Não tenho adversários. O único adversário que tenho é o general João Bernardo ("NinoÈ) Vieira, esse sim", afirmou, para acrescentar, porém, que o antigo chefe de Estado "não tem qualquer hipótese" de o defrontar por ser um "herói do passado".

"Ele não tem condições para me defrontar neste momento. Já passou à história. Respeitamo-lo, mas como herói do passado", frisou.

Ao ser questionado sobre o significado da bandeira branca com que desceu do avião que o trouxe de Dacar para Bissau, Kumba Ialá disse que o Partido da Renovação Social (PRS, força politica que fundou em 1992) sempre defendeu a "paz e a não-violência".

"A nossa doutrina é pela não-violência. Nunca defendemos a violência", explicou, numa alusão ao simbolismo que a bandeira branca da paz reflecte, para, depois, subitamente, dizer que já não pertence ao PRS.

De seguida, e sempre ladeado pelos principais dirigentes do PRS, dirigiu-se à multidão que o aguardava junto ao aeroporto e foi envolvido pelos cerca de cinco mil militantes e simpatizantes mobilizados para assistir à sua chegada.

Imediatamente depois, o ex-chefe de Estado encabeçou uma marcha longa, que percorreu os oito quilómetros que separam o aeroporto "Osvaldo Vieira" do centro da capital guineense, à frente da multidão que o aguardava.

A marcha, pacífica e que decorreu ao longo da Avenida 14 de Novembro, com Kumba Ialá de fato e gravata sob um sol escaldante, demorou cerca de duas horas a percorrer o percurso, que terminou somente no Cais de Pindjiguiti.

Por três vezes - junto ao Bissau Hotel, à residência de Kumba Ialá e à sede do PRS -, os poucos polícias que controlavam a marcha tentaram impedir o cortejo, mas acabaram por abrir caminho face à multidão que acompanhava o carro em que seguia o ex-presidente.

A Lusa assistiu à discussão entre polícias e dirigente do PRS, tendo alguns deles, mais exaltados, afirmado que se a marcha não prosseguisse "haveria confusão".



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